Barroso, Cameron e a imigração

O presidente da Comissão Europeia surpreendeu com um discurso forte contra as políticas anti-imigração do Governo britânico.

Durão Barroso fez ontem um dos seus discursos mais marcantes desde que é presidente da Comissão Europeia (CE). Muitas vezes atacado por excesso de colagem às posições das potências mais poderosas, sobretudo desde que a crise do subprime bateu às portas da União, em 2011, desta vez Durão não usou de meias palavras para criticar as recém-anunciadas medidas que David Cameron tenciona apresentar para impor barreiras à entrada de cidadãos europeus no país. Curiosamente, esta intervenção não só foi feita em solo britânico (Londres) como já foi considerada "o mais forte ataque de Bruxelas aos conservadores", segundo o Guardian. Para assinalar ainda mais a surpreendente atitude de Barroso, recorde-se que o partido de Cameron faz parte da família política europeia em que se situa o PSD, partido que Barroso liderava antes de assumir o seu mandato europeu.

Mas, afinal, o que quer Cameron? Impedir a livre circulação de cidadãos comunitários através das suas fronteiras, o que, como bem recordou Durão, não só contraria as leis europeias, como "é um princípio muito importante para o mercado único" tão caro ao Reino Unido. Ficou assim claro que esta matéria não só não é negociável como se tornará incómoda para o Reino Unido, que corre o risco de isolamento face aos seus aliados "naturais" do centro e Leste do continente, os mais visados por estas políticas. "Um erro histórico", advertiu ainda Durão, que Londres pagará caro na medida em que põe em causa a sua tão reivindicada reforma da EU.

Já não é de agora a inflexão britânica em termos de políticas de imigração com muita polémica à mistura. No final de 2013, um pacote de restrições à livre circulação de romenos e búlgaros (com início a partir de 1 de Janeiro deste ano) incendiou os ânimos. Na altura, Barroso não foi tão assertivo, mas outro português, António Guterres, foi o alvo dos tories. O alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, preocupado com as leis em preparação, entregou no Parlamento britânico um documento de alerta, no qual advertia contra os perigos de tal legislação "propiciar racismo étnico", "estigmatizar estrangeiros" e negar asilo a quem precise.  Douglas Carswell, deputado torie, não hesitou em qualificar e dar destino ao texto de Guterres: "É lixo e devia ir para o lixo."

Já toda a gente percebeu que a deriva radical do Governo britânico (e, já agora, de outros países europeus) em matéria de imigração tem que ver com o crescimento da extrema-direita, que tem tirado vantagem da crise económica e da falta de soluções para desgastar os partidos tradicionais e se tornar cada vez mais ameaçadora para o statu quo. Ora justamente, Barroso tem sido alvo de críticas violentas pela sua alegada incapacidade de conduzir a Comissão no sentido de maior equilíbrio entre países ricos e  pobres, entre o Norte/centro e a periferia, enfim, um líder respeitado e capaz de mostrar firmeza em momentos cruciais. Agora, quase de saída, já não pode dar a volta a dez anos de mandato, mas sempre é melhor partir com um discurso que fique na memória... pelas melhores razões.

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