Realidades terrenas, “surpresas de Deus”

O mundo muda. A Igreja também mudará? Francisco pede que ela “vença os medos”. Para sobreviver.

Não espantou o resultado das votações no Sínodo da Família, anteontem no Vaticano. Os três artigos que não passaram, por não terem conseguido os dois terços necessários, estavam relacionados com os pontos mais polémicos: as uniões homossexuais, o acolhimento dos homossexuais nas comunidades cristãs e a hipótese de divorciados e recasados acederem à comunhão. Apesar da abertura mostrada pelo Papa em relação a tais temas, o peso da ortodoxia impôs-se. Mas é ao Papa que cabe ainda a última palavra, já que os textos agora aprovados servirão de base, como documento de trabalho, ao Sínodo de Outubro de 2015.

E os avisos de Francisco, ele que já casou divorciados e que mostrou abertura face à diversidade sexual dos fiéis (um dos artigos “chumbados” dizia que “os homossexuais têm dons e qualidades a oferecer à comunidade cristã”), não podiam ser mais claros. “Deus não tem medo do novo. Por isso é que nos está constantemente a surpreender, a guiar-nos por caminhos inesperados”, disse, desafiando a Igreja a “responder corajosamente a quaisquer desafios” e “vencer o medo diante das surpresas de Deus”. Sabendo que tais surpresas são realidades terrenas, que tanto o Papa como os que dele discordam bem conhecem, as palavras de Francisco só podem ter o sentido de quebrar uma barreira. Se ele humanizou as decisões do sínodo, no sentido de as tornar acto de humanos (que se enfrentam, escolhem e votam) e não numa predestinação divina, é agora altura de levar tal abertura ao nível das mentalidades.

Não por acaso ele citou Paulo VI: “Analisando cuidadosamente os sinais dos tempos, estamos a fazer todos os esforços para adaptarmos costumes e métodos às necessidades crescentes da nossa época.” É o que Francisco tenta fazer, no século XXI. Não para encorajar uma revolução na doutrina, mas para induzir mudanças pastorais que permitam à Igreja Católica sobreviver aos “sinais dos tempos”.

Sugerir correcção
Comentar