Governo tem de alterar lei para alargar efeito dos vales de educação no IRS

Regime actual impede que os vales sociais, isentos de IRS, substituam parte da remuneração em vigor. Mesmo com os tickets de educação, ainda não é certo que todos os contribuintes tenham alívio fiscal em 2015.

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Reforma do IRS prevê que vales de educação abranjam filhos até 25 anos. Lei liga vale a aumentos salariais e bónus, excluindo muitas pessoas CARLA CARVALHO TOMÁS

A possibilidade de as empresas pagarem uma parte dos vencimentos aos trabalhadores através de vales de educação para os filhos até aos 25 anos, ficando os contribuintes isentos da tributação do IRS sobre aquele montante, arrisca-se a perder eficácia se a lei não for alterada.

O actual regime dos vales sociais, que abrange os filhos até aos sete anos e que o Governo quer estender até aos 25 anos, impede que estes títulos substituam, ainda que parcialmente, a remuneração do trabalhador. Actualmente, a atribuição dos vales acontece apenas “quando o trabalhador tem um aumento salarial em que o incremento da remuneração é feito através do vale (e não na remuneração-base) ou quando a empresa decide atribuir um bónus e escolhe fazê-lo com o vale”, enquadra a fiscalista Ana Duarte, da consultora PwC.

“Como em muitos sectores de actividade as empresas não vão aumentar os salários, corre-se o risco de, sem alteração à lei, as pessoas não conseguirem aproveitar os tickets. E, como deixam de poder deduzir as despesas com educação autonomamente (passando a haver um pacote de ‘despesas gerais familiares’), podem ficar prejudicadas”, diz a fiscalista.

Se a alteração ao diploma que criou os vales sociais (de 26 de Janeiro de 1999) abrir a porta a que as empresas paguem uma percentagem do vencimento através de vales, será preciso que patrão e trabalhador cheguem a acordo mútuo (como acontece actualmente em muitas empresas com os cartões de refeição equivalentes aos subsídios de alimentação).

Hoje já existem vales sociais, isentos de IRS e do pagamento de contribuições sociais, para os trabalhadores com filhos até aos sete anos, destinados ao pagamento de creches e jardins-de-infância. Na reforma do IRS que o Governo apresentou na semana passada, prevê-se que, para além destes “vales infância”, haja também “vales educação” destinados ao pagamento de escolas, estabelecimentos de ensino e de despesas com manuais escolares. Seguindo a recomendação do grupo de peritos fiscais, a reforma vem alarga os vales aos filhos até aos 25 anos (abrangendo os estudantes universitários). E foi estabelecido um tecto de 1100 euros anuais para os vales.

O economista Francisco Madelino, ex-presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), levanta reservas à possibilidade de uma fatia do salário ser paga através de vales. “Se for pela via da substituição parcial da remuneração já existente, pode colocar-se um problema de contratação colectiva e, nesta matéria, questões constitucionais de remuneração-base”, adverte Madelino, ex-presidente do IEFP e professor no ISCTE-IU. “Se o vale for incorporado no montante de 100% da retribuição, é uma forma de baixar os salários”, diz o economista, referindo-se ao facto de aquela parte da remuneração não contar para efeitos das contribuições sociais.

O valor correspondente ao vale social de educação, para além de não estar sujeito a IRS, fica também isento dos descontos para a Segurança Social. Não fica sujeito à Taxa Social Única (TSU) paga pela empresa (23,75%), nem à contribuição suportada pelo trabalhador (11%). Para as entidades patronais, o regime actual prevê que possam ser deduzidos em sede de IRC 140% do gasto. É uma compensação que, aparecendo para resolver um problema fiscal, também acaba por ser feita “à custa da Segurança Social, quando ela já está tão depauperada”, considera Francisco Madelino.

Mais vales na calha
Os vales podem vir, em alguns casos, a compensar o aumento do IRS que resulta das alterações da reforma do IRS, que passa a ter um novo modelo de deduções à colecta. Mas mesmo com o recurso ao vale, há contribuintes que se arriscam a pagar mais imposto em 2015. Veja-se o perfil simulado pela consultora PwC – um casal sem filhos, em que o rendimento de cada um dos cônjuges é de 1500 euros por mês (42 mil euros anuais). Entre saúde, educação e imóveis, foram assumidos encargos no valor de 5600 euros no ano de 2014. Para 2015, foram consideradas sete mil euros de despesas (2500 euros de gastos de saúde, aos quais e somam três mil de gastos em educação, mais 1500 euros de despesas gerais, como vestuário e compras de supermercado, que agora contam para as deduções).

Sem o vale de educação, há um agravamento do IRS de 522,9 euros (o imposto a pagar aumenta de 6860,64 euros para 7383,54). Com o ticket, o salário base passaria a ser de 40.950 euros, mas haveria ainda assim um aumento do IRS de 71,4 euros (o imposto a pagar passaria para 7047,54 euros). A simulação da PwC pressupõe que, em 2015, a empresa de um dos sujeitos passivos atribui 5% do salário base em vales.

Para atender aos solteiros sem filhos que também se arriscam a pagar mais em 2015, para o diploma do IRS foi equacionada uma salvaguarda para que também os próprios sujeitos passivos possam ser os beneficiários de vales sociais, servindo para pagar os seus próprios estudos, por exemplo.

Com o novo regime de deduções à colecta do IRS, também deixa de haver uma categoria própria para inscrever os encargos com imóveis. A dedução dos juros dos empréstimos já tem vindo a diminuir e previa-se que em 2016 esta despesa deixasse de ser elegível. A reforma veio antecipar este fim em um ano. O Orçamento do Estado para 2012 previa uma redução gradual, sendo que em 2015 o limite máximo de dedução seria de 147,5 euros.

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