Evangélicos que apoiaram Marina Silva transferem o voto para Aécio Neves

No bairro do Brás, em São Paulo, os eleitores que se entusiasmaram com a candidatura presidencial de Marina Silva vão migrar para o PSDB: uns acham que a mudança é boa, outros só querem tirar o PT, que governa há 12 anos, do poder.

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O Templo de Salomão, da IURD, tem a altura de andares Nacho Doce/REUTERS
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Marina Silva apoiu Aécio Neves na segunda volta NELSON ALMEIDA/AFP

É sábado de manhã e na Avenida Celso Garcia, na região central de São Paulo, a “muvuca” é grande. Essa agitação – de fregueses das feiras, clientes das lojas, fieis das igrejas – é exactamente a razão pela qual Jacilene Castro diz ser “apaixonada” pelo bairro do Brás: a advogada, que nasceu em São Luís do Maranhão e veio para São Paulo há 12 anos, anda às voltas a ver as placas de imobiliárias, à procura de uma casa que a possa acomodar e aos seus dois cachorros. Segundo ela, chegou a altura de se mudar de um apartamento no centro, perto da Avenida Paulista, onde o espaço é reduzido e o condomínio é caro.

A nordestina conhece há muito e frequenta bastante o Brás, onde fica a Igreja Apostólica Plenitude do Trono de Deus, uma denominação pentecostal fundada em 2006 e da qual Jacilene é devota. A sede nacional, “com capacidade para dez mil pessoas”, informa, fica numa pequena rua perpendicular à movimentada Avenida Celso Garcia – a três minutos do imenso Templo de Salomão que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) inaugurou em Julho e entretanto se transformou num ponto de atracção turística da cidade.

“Sai andando por aí fora e vai ver, isso está lotado de igrejas”, informa Jacilene, o braço direito a traçar um arco num movimento demorado. Ao lado do seu imponente templo novo – construído “com base em orientações bíblicas”, com materiais e oliveiras transplantadas de Israel – a IURD tem um outro espaço, igualmente grande, mais antigo. O entra e sai para os dois é constante, e pressupõe, para o visitante, uma revista aos pertences e depósito de equipamentos electrónicos. Os dois lugares estão sob vigilância apertada, com seguranças em todas as portas.

Do outro lado do passeio, convivem lado a lado a igreja evangélica da Assembleia de Deus do Brás, Ramo Madureira, num edifício coberto de vidros foscos espelhados, e a histórica – embora dinâmica – igreja católica de São João Batista, com 105 anos. Nas traseiras do Templo de Salomão, fica a Igreja Evangélica Brasileira.

Não é preciso caminhar muito para encontrar outro enorme edifício, pertencente ao Ministério Mudança de Vida, da bispa Cléo Ribeiro Rossafa. Não muito distantes, as igrejas Metodista do Brás e Presbiteriana do Brás, representam a tradição cristã protestante. No bairro existe também uma casa da caridade espírita e uma união espírita cristã. Na Rua Bresser, que cruza a Avenida Celso Garcia, encontra-se a sinagoga israelita do Brás, e a uma dezena de quarteirões a mesquita Mohammad Mensageiro de Deus. De volta ao Bresser, passa-se pela catedral Ortodoxa Grega São Pedro. Perto da estação de comboios do Brás, está a igreja do Bom Jesus, construída em 1903 para substituir a capela dedicada ao Senhor Bom Jesus de Matosinhos, erguida em 1769 pelo português José Brás que, segundo a história paulistana, foi o principal responsável pelo desenvolvimento do pequeno povoado que depois se transformou no bairro hoje com o seu apelido.

A saída da estação de metro do Bresser/Mooca apresenta uma espécie de “panorâmica” do quotidiano do bairro do Brás: no primeiro piso, o Templo de Salomão, com a uma altura correspondente a um prédio de 20 andares destaca-se no horizonte, maior do que tudo à volta; descendo para a rua, sacoleiros e vendedores ambulantes interpelam os transeuntes logo no passeio, com ofertas de comidas e bebidas, brinquedos e bugigangas plásticas, chips, carregadores, capas de telemóvel e uma variedade de artigos têxteis – tudo isto ao som do gospel brasileiro, a música cristã evangélica que tomou conta dos tops de vendas.

"Já chega dessa quadrilha"
Nesta babilónia de religiões encontram-se vários dos eleitores de Marina Silva, a candidata presidencial lançada pelo Partido Socialista Brasileiro depois da morte do seu líder, Eduardo Campos, e derrotada na primeira volta da votação, no dia 5 de Outubro. Jacilene é uma: “Fiquei surpreendida e decepcionada por ter tido essa virada e ela não ter chegado à segunda volta, mas ao mesmo tempo fiquei feliz porque ela firmou e fortaleceu uma posição política que é feita de ideias e propostas novas e boas para o Brasil”, considera.

No próximo domingo, Jacilene vai votar no candidato à presidência pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Aécio Neves, que conta com o apoio de Marina. A advogada assegura, porém, que não é essa a razão da sua escolha. “Os eleitores da Marina não são de cabresto; não são manipulados nem coagidos como os do PT”, o Partido dos Trabalhadores da Presidente e candidata a um segundo mandato, Dilma Rousseff. “Eu voto no Aécio porque sou anti-PT”, resume. “Já suportamos o Lula oito anos, depois a Dilma quatro anos e agora mais quatro? Isso é um massacre, já chega dessa quadrilha: o PT tem de perceber que o Brasil não é deles”, diz.

Marcílio Pedro, um motorista de 40 anos que saiu “maravilhado” da visita guiada ao Templo de Salomão e que também votou em Marina Silva na primeira volta, diz que agora “vai” pelo Aécio. “Conversei com algumas pessoas, todas que votaram na Marina, e concordo que é bom mudar”, esclarece. “A gente sabe que não vai ser de uma hora para a outra que vai ficar como o povo quer, mas a Presidenta já lá esteve quatro anos e só agora é que vem à televisão dizer como vai consertar as coisas. Durante este tempo que esteve lá podia ter feito muita coisa, mas a gente só ouve falar do negócio da corrupção na Petrobras”, prossegue.

“Onde gira o dinheiro, a gente sabe que tem corrupção. Mas ela [Dilma Rousseff] estava lá e deixou acontecer”, conclui.

Para Sónia, uma mulher de 46 anos da região do ABC paulista (as localidades de Santo André, São Bernardo e São Caetano, na periferia de São Paulo), “os políticos não prestam. Só pensam no bolso deles”. Ela é “totalmente contra dar oito anos a um candidato. Nos primeiros quatro anos até pode ser que façam alguma coisa, mas nos outros quatro é só bolso: vão fazer é para a vigésima geração deles”, critica.

“E os evangélicos é o mesmo”, atira, olhando de soslaio para o gradeamento do Templo de Salomão. “Falam que vão para lá para lutar pelos ideais evangélicos , o povo vota, e em quatro anos estão ricos e cheios de bens. Quem fica rico com o trabalho em quatro anos?”, questiona. Sónia é evangélica, mas não alinha com o neo-pentecostalismo do bispo Edir Macedo, da IURD, nem concorda com a sua teologia da prosperidade – “Tem demasiada idolatria, virou igual aos católicos com os santos e os terços, ou aos terreiros de macumba”.

Além disso, acha “errado” e é “totalmente contra os pastores candidatos”. “Estar lá dentro e não se corromper não existe, então eles têm que ficar fora. O lugar para a palavra de Deus é a igreja, não é o Congresso”, sublinha.

"Muita baixaria"
Marina Silva, que é missionária da Assembleia de Deus e defende o fim da reeleição, ganhou o voto de Sónia na primeira volta, mas agora esta funcionária de supermercado está a considerar “anular” o voto. A escolha entre a Presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves não a motiva. “Não sei qual dos dois o melhor, a mim parecem-me os dois corruptos”, diz. Além disso, prossegue, os dois têm mantido um comportamento censurável na recta final da campanha. “Nos debates na televisão, o que se vê é muita baixaria, os dois ficam se alfinetando o tempo todo. Deviam ter mais compostura e pensar que nesse momento eles estão dentro das casas dos brasileiros, que merecem respeito”.

Jacilene também não esconde o desagrado com a campanha eleitoral. “Ninguém tem paciência mais para assistir ao horário eleitoral, e os debates são uma lavação de roupa suja”. As duas mulheres reconhecem no entanto que apesar do teor negativo e de troca de acusações entre os dois candidatos – que as campanhas já admitiram ser para continuar –, os confrontos na televisão são fundamentais. “É a decisão final: quem for melhor é quem ganha”, garante Sónia.

Os números recolhidos pelo instituto Ibope na semana passada revelavam que 64% dos brasileiros que votaram em Marina Silva tencionam escolher Aécio Neves na segunda volta, contra 18% que vão mudar o voto para Dilma Rousseff. Uma parte significativa destes novos aderentes à campanha tucana (o animal que simboliza o PSDB), são evangélicos – o candidato conta com voto declarado de vários líderes religiosos e poderá, em breve, receber o apoio da Confederação Nacional de Bispos.

Ajuda ou atrapalha?
Mas ao mesmo tempo, uma pesquisa do Datafolha sugeria que o apoio de Marina ao homem do PSDB poderia estar a atrapalhar mais do que ajudar no momento de convencer os eleitores ainda indecisos: 23% disseram que a indicação do voto da candidata ambientalista teria como efeito que não votassem nesse candidato.

Os dois antigos rivais surgiram pela primeira vez juntos na campanha na sexta-feira, em São Paulo: o encontro, que serviu para registar imagens a utilizar no tempo de antena da candidatura de Aécio, teve direito a uma conferência de imprensa de 15 minutos em que Marina Silva surpreendeu ao aparecer com os longos cabelos presos num rabo-de-cavalo, e não no puxo que costuma usar. “É cabelo de crente”, comenta Sónia. De acordo com os assessores da ambientalista, não está prevista a gravação de vídeos promocionais por Marina, nem a sua aparição nos “palanques” da campanha.

Em São Paulo, Aécio destacou-se da oposição na primeira volta, conquistando 44% dos votos (os tucanos dominaram por completo a votação, tendo reelegido o governador Geraldo Alckmin e conquistado a vaga do Senado por maioria). A votação na Presidente Dilma Rousseff caiu 12 pontos face a 2010 e não foi além dos 25,8%, umas décimas acima de Marina Silva, que teve 25%.

O PT diz que está consciente da desvantagem e das dificuldades em São Paulo, mas garante que não desistiu de lutar para captar alguns dos votos de Marina. A campanha de Dilma iniciou uma “ofensiva” nas periferias Sul e Leste de São Paulo, onde se concentram muitos migrantes de outras regiões do Brasil, e também nas áreas tradicionalmente petistas da região metropolitana, que favoreceram Marina na primeira volta.

A campanha sabe que é impossível reverter o resultado da primeira volta, mas espera diminuir a margem da derrota da Presidente. Com a eleição tecnicamente empatada, todos os votos são preciosos. “A segunda volta é outra eleição. Acreditamos que vamos ganhar uma boa parte dos votos que na primeira volta foram para a Marina. Um avanço nosso aqui contribui fortemente para a eleição nacional”, observou Alexandre Padilha, o candidato derrotado do PT ao governo de São Paulo.

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