Cabo Verde como nunca o vimos em As Cidades e as Trocas

O primeiro trabalho a reter de uma competição nacional demasiado morna.

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Falta a As Cidades e as Trocas um sério trabalho de organização e montagem DR

O concurso internacional do DocLisboa está a ser uma das melhores competições de que nos lembramos da história do festival. Infelizmente, a competição nacional de longas-metragens está a provar ser, para já, uma assinalável decepção. Sim, é de louvar o voluntarismo, a vontade de filmar, o desejo de cinema, num país onde fazer cinema já de si é difícil e onde fazer cinema documental mais difícil é. Mas de nada servem se os resultados não compensarem a dificuldade do momento de crise que a produção vive desde há alguns anos. E este ano, até ver, é o que está a acontecer.

Flor Azul, de Raul Domingues, não ultrapassa o registo de home movie pessoal sobre o quotidiano rural dos avós do realizador (City Campo Pequeno, segunda às 19h45). A Lã e a Neve, de João Vladimiro, regista o trabalho de criação e ensaios da peça que Madalena Victorino encenou para Guimarães 2012, em modo de making of mais ou menos eficiente (City Campo Pequeno, segunda às 16h45). Mio Pang Fei, de Pedro Cardeira, é mais interessante, mas esta produção de Ivo Ferreira sobre um pintor abstracto chinês estabelecido em Macau fica-se pelo correctíssimo documentário biográfico sobre arte, bem feito mas anónimo (São Jorge, segunda às 21h15 e City Campo Pequeno, quarta 22 às 16h45).

Com todos os defeitos que tem, o filme mais interessante do concurso nacional para já é As Cidades e as Trocas (São Jorge, domingo às 18h15 e City Campo Pequeno, terça 21 às 22h). Luísa Homem e Pedro Pinho foram filmar Cabo Verde para lá das evidências mais ou menos turísticas, concentrando-se no quotidiano difícil dos locais que trabalham para sobreviver nos empreendimentos montados por estrangeiros. É o mais cinematográfico e mais pensado do primeiro lote de produções portuguesas a concurso: tem uma verdadeira preocupação, estética e ética, com o que está a filmar; tem algo de Jia Zhang-ke no modo observador e atento como acompanha esta gente do “terceiro mundo” que tem os mesmos problemas de sobrevivência do “primeiro mundo”; tem algo de Sérgio Tréfaut na empatia que cria com os sujeitos que filma. 

Mas As Cidades e as Trocas não tem princípio, nem fim, nem estrutura. Limita-se a acumular momentos que podiam por si só ser curtas-metragens isoladas e fortíssimas e espera – erradamente – que o efeito cumulativo desses episódios sirva de “cola” capaz de dar peso e gravidade. Falta a As Cidades e as Trocas um sério trabalho de organização e montagem que transforme o notável material em bruto num filme igualmente notável. E que apesar disso este ainda seja o filme mais interessante dos primeiros dias é testemunho do que aqui se esconde.

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