Um corpo estranho

Um policial de série B como já não se faz hoje, e aí estão as suas fraquezas e as suas forças.

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Trailer de O Caminho Entre o Bem e o Mal

É a segunda vez que o cinema se interessa pelo ex-polícia Matt Scudder, criação do romancista Lawrence Block numa série de romances policiais que chegou ao cinema pela primeira vez sob os traços de Jeff Bridges em 1985.

Mas Oito Milhões de Maneiras de Morrer, dirigido por Hal Ashby a partir de um guião de Oliver Stone e Robert Towne, não ficou na história. O projecto de O Caminho entre o Bem e o Mal andou vários anos aos tombos por Hollywood antes de finalmente ser concretizado pelo veterano argumentista Scott Frank (Romance Perigoso para Soderbergh e Relatório Minoritário para Spielberg, entre outros), na sua segunda realização após Vigilante (2006). É uma entrada “fora de tempo” num género que os grandes estúdios praticamente abandonaram, o policial de “classe média”, “série B”, onde se formou gente tão interessante como Don Siegel ou Richard Fleischer.

E é nesse lado, na solidez despretensiosa que não faz cedências a exigências mais ou menos comerciais, que o filme se ganha: há aqui um tom sombrio, glauco, uma abordagem “clássica” a uma realidade brutal nunca escamoteada, um universo puramente masculino mas desencantado e muito pouco heróico herdado do film noir, no qual o irlandês Liam Neeson (actor de recursos erguido surpreendentemente a herói de acção) ferra os dentes com gosto. O seu Matt Scudder é um ex-alcoólico desiludido mas com um sentido aguçado da moral, espécie de “homem da limpeza” que sobrevive nas margens e cujo estatuto não oficial lhe permite aceitar os casos-limite, como esta história brutal de serial killers psicóticos que escolhem como alvos as esposas de traficantes de droga.

Mas é também nessa modéstia de filme sem ambições que O Caminho entre o Bem e o Mal se perde, porque é um filme de argumentista, onde a realização é mais ilustrativa e funcional do que inspirada, sem correr riscos nem arvorar uma personalidade. Ao mesmo tempo herdeiro de muitos dos policiais de série B que a Universal produzia nos anos 1970 e corpo estranho na produção corrente de Hollywood, é um objecto suficientemente singular nos tempos que correm para lhe prestarmos alguma atenção.

 

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