Descida da sobretaxa já só depende da vontade política

Concluídos os estudos sobre o IRS e a fiscalidade verde, aumenta a pressão para o Governo tomar decisão quanto à sobretaxa de 3,5%.

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O primeiro-ministro e a ministra das Finanças têm evitado assumir compromissos sobre eventual alívio fiscal Rui Gaudêncio

É a grande incógnita da reforma do IRS. Até agora, deixou o Governo a falar a dois tempos: a ala do CDS-PP a defender uma “moderação fiscal”, a ministra das Finanças e o primeiro-ministro a medirem as palavras com cuidado. O tabu só será desfeito dentro de duas semanas, quando, nas vésperas de enviar a proposta de Orçamento do Estado para 2015, o executivo apresentar a reforma do IRS. Vai ou não descer a sobretaxa de 3,5%? E, se sim, em quanto? Agora que os estudos sobre o IRS e a fiscalidade verde terminaram, a bola está do lado do executivo.

Esta quarta-feira, o Governo viu-se confrontado com uma posição reforçada da comissão de reforma do IRS a favor da descida progressiva da sobretaxa, a partir do próximo ano.

No projecto final de reforma entregue ao Ministério das Finanças, o grupo de dez peritos fiscais apresenta razões para que o executivo avalie os prós e contras. Para o grupo de trabalho liderado pelo fiscalista Rui Duarte Morais, não só a eliminação progressiva foi defendida pela generalidade das entidades ouvidas no período de consulta pública, como o Eurogrupo veio colocar a “redução da tributação sobre o trabalho” no centro das prioridades políticas na zona euro. E – diz a comissão – é preciso olhar para a evolução recente das disponibilidades orçamentais.

Lembra o grupo de trabalho que a comissão para a reforma da fiscalidade verde “assumiu uma vertente de neutralidade fiscal global, de acordo com a qual a receita adicional pode levar a uma afectação que possibilita a redução do IRS”. E acrescenta mais um ponto à análise: “Os últimos dados da execução orçamental nacional, com o crescimento da receita em 7,7%, parecem poder apontar neste mesmo sentido.”

O que há dois meses e meio era uma afirmação lacónica – sugerindo ao executivo que, em caso de folga orçamental, a descida do IRS comece pela sobretaxa e pela taxa adicional de solidariedade (aplicada aos rendimentos colectáveis acima de 80.000 euros) – passou a contar com uma recomendação mais vasta. “No plano factual não pode deixar de se notar que durante o período de consulta pública sucederam um conjunto de eventos que demonstram que não seria irrealista a linha preconizada nesta recomendação”, vinca-se no documento.

A comissão de reforma limita-se a sugerir a redução gradual, não propondo um valor quantitativo de corte. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, pivot da reforma no ministério liderado por Maria Luís Albuquerque, tem insistido que o combate à fraude fiscal e à economia paralela, pelo aumento da receita fiscal que proporciona, será um elemento decisivo na reforma, mas nunca disse publicamente de forma inequívoca qual é a margem que o Governo tem neste momento. Não o disse Paulo Núncio, do CDS-PP, nem a ministra das Finanças.

Certo é que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) veio esta semana notar que é o aumento da receita fiscal que está a cobrir o desvio na despesa pública, ao mesmo tempo em que o esforço estrutural da consolidação das contas públicas abranda.

Tal como já fazia em Julho, a comissão propõe que, “depois de eliminadas a sobretaxa e a taxa adicional de solidariedade, os escalões de taxas gerais do imposto sejam objecto de revisão alargada tão cedo quanto possível, como medida de redução da carga fiscal sobre os rendimentos das pessoas singulares e de melhor repartição da carga fiscal entre contribuintes”.

A posição do Eurogrupo de 12 de Setembro, a que a comissão de reforma se refere, veio dar uma dimensão europeia à prioridade atribuída à descida da tributação sobre o trabalho, ainda que os ministros das Finanças da zona euro ressalvem que isso tem de ser ponderado caso a caso, tendo em conta a “margem de manobra orçamental” do país em causa. Terá de haver uma “estratégia diferenciada de consolidação orçamental amiga do crescimento”, reforçaram então os ministros das Finanças, quando se reuniram em Milão.

No caso português, os peritos fiscais não dizem se há, ou não, margem orçamental – o grupo de trabalho não tem, aliás, mandato para isso. A recomendação é técnica: comece-se por baixar a sobretaxa e a taxa adicional, se houver disponibilidade nas contas públicas.

No entanto, a versão final do projecto de reforma vem – com ou sem intenção – colocar mais pressão sobre o Governo. Cada ponto percentual da sobretaxa do IRS representa cerca de 220 milhões de euros de receita para os cofres do Estado, o que significa que os 3,5% renderão anualmente cerca de 770 milhões de euros.

Nas propostas da comissão há outras medidas que implicam perda de receita (como a introdução de um quociente familiar, em que cada membro do agregado familiar, seja pais, filhos ou ascendentes com poucos recursos contam para o cálculo do rendimento à colecta). Mas para compensar essa perda são propostas medidas compensatórias, que passam pela adopção de um sistema de deduções fixas por sujeito passivo e dependente.

O novo quociente familiar
O projecto final de reforma contém alguns ajustes face à proposta inicial, de 18 de Julho. Como o PÚBLICO noticiou esta semana, uma das alterações tem a ver com a composição do agregado familiar para efeito do IRS. Para além dos sujeitos passivos e dependentes, também aos “ascendentes sem recursos económicos suficientes que vivam em economia comum” com a família, desde que tenham rendimentos inferiores à pensão mínima (259,4 euros), serão incluídos no coeciente.

Com isto, o conceito de quociente familiar proposto também é alargado, passando a incluir, para além dos pais e filhos, os ascendentes (avós, por exemplo) abrangidos por esta regra.

Enquanto actualmente se utiliza um quociente conjugal para determinar o rendimento à colecta (e apurar o escalão e a taxa de IRS a pagar), em que, por exemplo, o rendimento de um casal é dividido por dois, agora, o valor passa também a ser dividido em função do número de filhos e de ascendentes a cargo, sendo-lhes atribuído um valor relativo nessa ponderação. Aos filhos e ascendentes é atribuído um “peso” de 0,3 pontos.

Vales de educação para filhos até aos 25 anos
Na proposta anterior, a comissão liderada por Rui Duarte Morais propunha que as empresas pudessem pagar parte dos vencimentos aos trabalhadores em vales sociais de educação para os filhos, os chamados “ticket escola”, que estão excluídos do imposto.

A recomendação, diz o grupo de trabalho, foi bem aceite pelos parceiros sociais e, na versão final, foi decidido alargar o benefício fiscal para os filhos até aos 25 anos, o que potencialmente inclui casos em que os filhos sejam estudantes universitários (antes a comissão propunha um limite até aos 16 anos). A comissão propõe ainda que estes títulos passem a ser aceites como forma de pagamento de propinas pelas universidades e institutos politécnicos públicos.

Dedução de prejuízos dos senhorios
Outra mudança tem a ver com a apresentação de gastos suportados pelos senhorios (contribuintes com rendimentos prediais).

Na versão final da comissão, é proposto que os prejuízos declarados em cada imóvel arrendado possam ser deduzidos em conjunto, abrangendo a totalidade dos rendimentos prediais obtidos, em vez de serem comunicados separadamente, por cada imóvel. As perdas podem ser abatidas aos “resultados positivos” conseguidos em anos seguintes, durante um período máximo de seis anos.

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