Manifestantes lançam ultimato: ou a demissão do “homem de Pequim” ou o caos

Governo de Pequim quer travar os protestos em Hong Kong, mas receia prejudicar a imagem do seu centro financeiro. Espera que o cansaço vença os manifestantes.

O jurista Paul Zimmerman abriu um chapéu de chuva amarelo na celebração do dia nacional
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O jurista Paul Zimmerman abriu um chapéu-de- chuva amarelo na celebração do dia nacional ALEX OGLE/AFP
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Em Hong Kong, onde há mais de uma semana está em curso uma campanha de desobediência civil a favor de eleições democráticas, assiste-se a uma perigosa guerra de estratégia de ambos os lados do conflito. O Governo de Pequim deu ordem às autoridades locais para não intervirem, apostando que os manifestantes se vão cansar e que os protestos perderão força até desaparecerem. Mas em mais um desafio à autoridade central, os manifestantes anunciaram que, a partir de quinta-feira, começarão a invadir edifícios públicos, se o chefe do governo local não se demitir imediatamente.

Esta quarta-feira, dia feriado na China — assinala-se o 65.º aniversário do nascimento da República Popular, em 1949 —, dezenas de milhares de pessoas juntaram-se nas principais avenidas do território, entre elas as do centro financeiro de Hong Kong. Prometeram não sair enquanto Leung Chun-ying não se demitir e enquanto não houver uma negociação sobre o sistema eleitoral.

Quando Hong Kong voltou a fazer parte da China, em 1997, depois de séculos como colónia britânica, o Governo de Pequim prometeu que seria a população local as eleger o chefe do governo através do sistema “uma pessoa, um voto”. Porém, em, Agosto, quando a reforma do sistema eleitoral foi concretizada, surgiu o ponto que está na base do conflito — a população votará, mas será Pequim a escolher em quem (nomeará três candidatos).

Para os movimentos pró-democracia, liderados pelo Occupy Central — fundado por um professor universitário de Direito, Benny Tai, e por um sacerdote baptista, Chu Yiu-ming, conhecido por ter ajudado líderes da revolta de Tiananmen a fugir de Pequim para Hong Kong —, a interferência de Pequim viola o princípio do acordo sobre as eleições. Não aceitam que seja o poder central a escolher os candidatos. A revolta começou com uma manifestação, em Agosto, e ganhou uma nova dimensão na sexta-feira da semana passada, com um protesto junto à sede do governo local com a ocupação de parte do edifício. A polícia reagiu lançando gás pimenta e gás lacrimogéneo contra os manifestantes, na sua maioria estudantes do ensino secundário. Mais de 60 pessoas foram presas e o protesto ganhou o nome de "Revolução do Chapéu-de-Chuva" por os estudantes os terem usado para se proteger dos químicos.

Os jornais locais, entre eles o South China Morning Post, escreveram que a ordem de investir sobre os manifestantes partiu do chefe do governo de Hong Kong.

“Esperamos que entre hoje [quarta-feira] e amanhã [quinta-feira] Leung Chun-ying se demita. Caso contrário, anunciaremos uma escalada no nosso movimento, incluindo o cerco e a ocupação de diferentes edifícios governamentais”, disse nesta quarta-feira o líder da Federação de Estudantes de Hong Kong, Lester Shum, citado pela BBC.

Segundo o jornal americano The Wall Street Journal, citando uma fonte “próxima” dos decisores, Leung planeava novas investidas contra os estudantes, mas recebeu ordem de Pequim para não voltar a usar a violência. A polícia antimotim foi retirada das ruas. A fonte do WSJ referiu que o Governo central tem outra estratégia: deixar passar o tempo, esperando que os protestos percam força e desapareçam.

Na celebração oficial do dia nacional em Hong Kong, uma cerimónia fechada para 2500 pessoas, viu-se um sinal dos protestos: uma política local foi vestida de amarelo e um jurista abriu um guarda-chuva amarelo; é a cor que os activistas usam em fitas no pulso ou laços na lapela.

Depois de hasteada a bandeira chinesa, Leung — conhecido em Hong Kong por “Leung 689”, o número de comissários que o escolheram para chefiar o governo do território — falou do sistema eleitoral, advertindo que é melhor ter parte do que se quer do que ficar sem nada. “É compreensível que pessoas diferentes tenham ideias diferentes sobre a reforma eleitoral. Mas é melhor termos o sufrágio universal do que não o termos. É melhor que [o governo] seja eleito por cinco milhões de eleitores do que por 1200 pessoas.”

Leung expressou desejos de “todos os sectores da comunidade” poderem chegar a um acordo. Mas parte dos que o contestam, os estudantes, querem começar por retirá-lo da equação. Fala-se na possibilidade de Pequim poder alargar a lista de candidatos, solução que não responde às exigências dos manifestantes. E os analistas dizem que se pode chegar a uma situação de impasse, com a China a não poder recuar na decisão devido ao risco de contágio — para já, são dois os focos de tensão devido à escolha dos próximos governantes: as antigas colónias Hong Kong e Macau.

Em Pequim, no discurso que proferiu, o Presidente, Xi Jinping, também não mencionou Hong Kong directamente, mas garantiu que o objectivo do Partido Comunista da China é o do “desenvolvimento pacífico” da China e a defesa dos “interesses da maioria da população”. Aos olhos de Pequim, Hong Kong é uma parcela dessa China e há limites para o seu estatuto especial.

Hong Kong é uma excepção dentro da China devido ao seu estatuto de grande praça financeira e por ser o “símbolo do rejuvenescimento nacional” (Wall Street Journal). Esta circunstância justifica também a cautela de Pequim na forma como está a lidar com a contestação. “Querem acabar com os protestos, mas sinais de interferência no sistema legal da cidade podem afastar empresas financeiras estrangeiras para outros centros como Singapura”, explicou Julian Evans-Pritchard, da londrina Capital Economics, ao WSJ.

Hong Kong é um mundo à parte que não ecoa na China continental (como é chamada) — nos jornais chineses e na agência noticiosa oficial falou-se pouco da contestação em Hong Kong e nada nos seus motivos; os media oficiais repetem que há incidentes, obra de alguns opositores radicais. E o Instagram juntou-se agora ao Facebook, Twitter, YouTube e Google — as redes sociais bloqueadas na China. No site de microblogging do país, o Sina Weibo, palavras como "Hong Kong", "barricadas", "Occupy" e "guarda-chuva" foram bloqueadas.

Os turistas chineses que, aproveitando o feriado, decidiram visitar Hong Kong, disseram aos jornalistas das agências AFP e Reuters que não sabiam o que se estava a passar. Ao repórter do New York Times expressaram o seu descontentamento por não poderem ver Hong Kong como deviam por causa da multidão nas ruas. Outros disseram ser contra este tipo de protestos. Um deles, Tony Cong, estudante de 24 anos que chegou há um mês a Hong Kong, estava fascinado. “Este tipo de protesto é completamente novo. Já os vimos em filmes e documentários, mas isto é real”, disse Cong, que “admira” a coragem dos estudantes de Hong Kong, mas tem medo que estejam a ser manipulados por políticos e activistas que querem afastar Hong Kong da influência do “continente”, e com isso ele não concorda.

 
 

   

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