Trabalhadores de empresas em recuperação passam a ter acesso ao Fundo de Garantia Salarial

Perto de 6000 trabalhadores de empresas insolventes ou que recorreram ao Processo Especial de Revitalização estavam impedidos de recuperar salários em atraso.

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Agostinho Branquinho, secretário de Estado da Segurança Social RAQUEL ESPERANÇA

O Governo vai clarificar as regras de acesso ao Fundo de Garantia Salarial (FGS), passando a abranger os trabalhadores de empresas com processos de recuperação aprovados ou em Processo Especial de Revitalização (PER). Em causa estão, de acordo com os números apresentados pela CGTP e pela UGT, perto de 6000 pessoas com salários ou compensações em atraso e que não podiam recorrer a um mecanismo criado, precisamente, para fazer face às dificuldades dos trabalhadores quando as empresas estão em situação económica difícil.

A solução, há muito reclamada pelos parceiros sociais, consta de uma proposta enviada ontem pelo secretário de Estado da Segurança Social, Agostinho Branquinho, aos sindicatos e às confederações patronais.

O documento a que o PÚBLICO teve acesso adapta o regulamento do FGS aos novos mecanismos de viabilização de empresas em dificuldades, pondo fim a um problema que se colocava desde 2012. Como o FGS não tinha sido adaptado ao novo enquadramento, os serviços da Segurança Social estavam a recusar os requerimentos dos trabalhadores, sempre que se tratava de uma empresa em dificuldades que recorria ao PER ou que tinha um plano de recuperação aprovado. Em algumas situações, os funcionários foram mesmo obrigados a devolver os montantes pagos pelo fundo e há casos a correr nos tribunais a contestar a interpretação que a Segurança Social estava a fazer do regulamento do FGS.

O entendimento dos serviços era que, no caso das empresas em PER ou com planos aprovados pelos credores, as dívidas aos trabalhadores deviam ser pagas no âmbito desses planos, não cabendo ao FGS avançar com o dinheiro. Do outro lado estavam os sindicatos e alguns advogados que destacavam a falta de coerência dos serviços: o FGS era accionado quando uma empresa era declarada insolvente, mas recusava-se a pagar os créditos de uma empresa em recuperação. Numa das primeiras sentenças a condenar o Estado a pagar aos trabalhadores, e que foi noticiada pelo PÚBLICO, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada argumentava que o recurso ao fundo não podia ser indeferido pela “mera promessa de pagamento” prevista num plano de recuperação.

Agora, a proposta de diploma diz claramente que, além das empresas declaradas insolventes pelo tribunal ou em processos de recuperação mediados pelo IAPMEI, passam também a ser abrangidas as situações em que a empresa está em “insolvência meramente iminente”. Ou seja, as que têm um PER ou as que têm planos aprovados pelos credores.

Os problemas já tinham sido abordados por diversas vezes nas reuniões do conselho de gestão do FGS e, em Julho, foram colocados em cima da mesa pela CGTP e pela UGT durante uma reunião da Comissão Permanente de Concertação Social. Na altura, o secretário de Estado mostrou-se disponível para tentar resolver o problema e comprometeu-se a participar na reunião do FGS marcada para ontem.

Contudo, Agostinho Branquinho acabou por não comparecer. Mais tarde, fonte do Ministério do Emprego e da Segurança Social justificou a ausência com “questões relacionadas com problemas de comunicação”, mas garantiu que está agendada para 8 de Outubro uma reunião extraordinária do conselho de gestão do fundo FGS onde o assunto será abordado.

As mudanças não ficam por aqui. A proposta alarga de nove meses para um ano o prazo para os trabalhadores poderem requerer a intervenção do fundo e dilata também o prazo que os serviços têm para dar resposta aos trabalhadores. Actualmente o fundo tem de decidir em 30 dias e no futuro passam a ser 60. Embora na realidade os trabalhadores tenham de esperar em média seis meses até verem o seu pedido aprovado ou recusado.

Ao mesmo tempo, faz-se uma articulação entre o FGS e os fundos de compensação do trabalho criados recentemente e que têm competências semelhantes no que respeita ao pagamento de compensações por despedimento.

A proposta do Governo transpõe ainda para o direito nacional uma directiva europeia relacionada com a protecção dos trabalhadores nos casos em que uma empresa entra em insolvência noutro Estado-membro. Assim, o FGS passa a abranger os trabalhadores que exercem ou exerciam a sua actividade em território nacional ao serviço de uma empresa com actividade em dois ou mais estados da União Europeia e que foi declarada insolvente por um tribunal de outro Estado-membro.

O FGS é gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social e foi criado com o objectivo de assegurar aos trabalhadores o pagamento de créditos resultantes do contrato de trabalho ou da sua cessação quando as empresas não os podem pagar, por estarem em situação de insolvência ou numa situação económica difícil. Em causa estão salários, subsídios de férias, de Natal ou de alimentação e indemnizações por cessação do contrato.

O fundo paga parte destes créditos, para fazer face às necessidades imediatas dos trabalhadores nestas circunstâncias, e torna-se credor da empresa. Um dos problemas do fundo, que é alimentado por verbas do Orçamento do Estado, é a baixa taxa de recuperação das dívidas junto das empresas e que rondará os 6%.

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