A prenda de aniversário que a República Popular da China menos queria

O Partido Comunista Chinês celebra 65 anos da fundação da República Popular da China, mas os protestos em Hong Kong vão ensombrar as festividades.

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O dia chuvoso não afastou os milhares de manifestantes que ocupam parte do centro de Hong Kong Carlos Barria / Reuters

Esta quarta-feira é um dia de festa para o Partido Comunista Chinês, que assinala o 65.º aniversário da fundação da República Popular. Mas quando em Pequim, o Presidente Xi Jinping estiver a assistir às festividades, a sua mente irá estar certamente a mais de dois mil quilómetros, em Hong Kong – palco de um dos maiores desafios ao poder em vigor na China nas últimas décadas.

Nas imediações da sede do governo local, ao início da noite de terça-feira milhares de pessoas juntavam-se às dezenas de milhares que lá tinham permanecido durante o dia e aguardava-se com expectativa o feriado nacional. A violência da noite de domingo – em que a polícia lançou gás-pimenta aos manifestantes, causando dezenas de feridos – não se repetiu e o ambiente é calmo e de solidariedade, como contou ao PÚBLICO, a partir de Hong Kong, o realizador português António Conceição. Os correspondentes do jornal The Guardian notavam a pouca presença policial durante o dia.

À medida que a noite se aproximava, cada vez mais pessoas se juntavam no bairro de Admiralty, onde se situa a sede do governo local. E nem a chuva ou a trovoada que se fizeram sentir afastou os manifestantes, que foram trazendo comida e materiais para fazerem barreiras de protecção, indicando que não há planos para que a concentração seja desfeita tão cedo.

Apesar de muito jovens – António Conceição diz ao PÚBLICO que muitos nem devem andar na faculdade –, a tenacidade dos manifestantes é inabalável. “Passámos mais de uma semana ao sol e a resistir ao gás pimenta, podemos suportar a chuva. Nada nos pode deter”, dizia à AFP Choi, um estudante no primeiro ano da universidade. Ao Guardian, Lester Shum, líder de um dos movimentos estudantis, disse não ter medo nem da polícia antimotim nem do gás lacrimogénio. “Não vamos sair até [o chefe do governo] Leung Chun-ying se demitir”, garantiu.

O próprio Leung admitiu, durante um discurso, citado pelo South China Morning Post que as manifestações vão durar “um tempo relativamente longo”. As ruas pedem a sua demissão imediata, mas o dirigente reafirmou que pretende manter-se no cargo. “Qualquer mudança de pessoal antes que a implementação do sufrágio universal seja alcançada irá apenas permitir que Hong Kong continue a eleger o seu líder através do modelo do Comité Eleitoral”, disse Leung.

O responsável referia-se à reforma eleitoral aprovada em Agosto, que é também um dos alvos das reivindicações dos manifestantes. A nova lei veio introduzir o sufrágio universal para o líder do território autónomo, mas as candidaturas têm de ser previamente aprovadas por um comité próximo de Pequim, algo que, alegam os manifestantes, impede uma escolha verdadeira.

Para já, o governo de Pequim mantém “a total confiança” e o “apoio incondicional” à gestão de Leung, de acordo com um porta-voz do Gabinete do Conselho de Estado para Hong Kong e Macau, citado pelo SCMP. Esta é, porém, uma posição que pode ser mudada consoante o rumo dos acontecimentos e, em última análise, da leitura que Xi fizer dos protestos.

Vários analistas avançam possíveis cenários para o Presidente chinês lidar com a revolta em Hong Kong. Um deles é a repressão violenta dos protestos, possivelmente através do recurso ao Exército de Libertação Popular. Esta é, para já, uma hipótese pouco provável, não só pela péssima repercussão internacional que teria mas também pela importância de Hong Kong como praça financeira de grande relevo, estatuto que Pequim não quererá perder.

A demissão de Leung apresenta uma perspectiva mais realista do ponto de vista de Xi, que, ao cumprir a reivindicação mais imediata dos manifestantes, poderia assistir a um enfraquecer do protesto. No entanto, a saída do chefe do executivo iria provocar o regresso ao regime eleitoral anterior, o que poderia incendiar os ânimos dos movimentos pró-democráticos.

Xi poderia ainda acomodar os desejos das ruas e estabelecer um comité representativo das várias sensibilidades políticas de Hong Kong para a escolha dos candidatos às próximas eleições, em 2017. Finalmente, há a possibilidade de Pequim nada fazer, ou seja, manter o rumo que tem previsto para o processo eleitoral e apenas esperar que o protesto não alastre a outras zonas de Hong Kong e que acabe por esmorecer.

“Nenhuma das opções é muito atractiva para a liderança chinesa”, avisa Elizabeth Economy, do Council for Foreign Relations, uma vez que “todas elas vêm com custos políticos e económicos não insignificantes”. A mesma leitura é partilhada por Larry Diamond, especialista em desenvolvimento democrático da Universidade de Stanford, que nota que qualquer estratégia pacífica requer negociações, o que obrigaria Xi Jinping a fazer concessões. “Se isso acontecer, ele iria parecer fraco, algo que claramente detesta”, acrescenta Diamond, citado pelo New York Times.

Entretanto, no centro de Hong Kong, ninguém sabe bem o que vai acontecer depois do feriado nacional ou se aquilo por que estão a lutar irá realmente chegar. O espírito dominante é sintetizado por António Conceição: “Só o facto de isto estar a acontecer já é uma grande vitória e irá certamente ter consequências no futuro, seja próximo ou mais distante.”

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