Tribunal Constitucional suspende referendo catalão. Que se segue?

Até agora tudo correu segundo um guião conhecido há meses. Marcação do referendo pelo presidente catalão e a sua suspensão pelo TC. Os próximos tempos são de extrema incerteza e previsível tensão.

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Mariano Rajoy explica a sua decisão de recurso ao Tribunal Constitucional AFP/GERARD JULIEN

Após um recurso apresentado pelo Governo espanhol, o Tribunal Constitucional (TC) suspendeu nesta segunda-feira, por unanimidade, a realização da “consulta” sobre a independência da Catalunha, que Artur Mas, presidente da Generatitat (governo autonómico catalão), convocou, no sábado, para o dia 9 de Novembro (9-N). O decreto de Mas fica automaticamente suspenso por um período máximo de cinco meses, até o TC tomar a decisão final. O governo de Barcelona reafirma a legalidade da consulta. O PSOE solidariza-se com a iniciativa do governo.

O presidente do Governo, Mariano Rajoy, garante que a consulta não terá lugar. Mas não fecha as portas a uma negociação sobre reformas. Perante os riscos de radicalização, tanto o governo como o PSOE querem evitar o confronto, o chamado “choque de comboios”. A curto prazo, tudo se passa de acordo com um guião traçado há meses. Mas os próximos 40 dias, e sobretudo os meses seguintes, serão marcados pela incerteza. Que se segue? Ninguém ousa responder.

Os argumentos de Rajoy
Numa declaração oficial, depois da reunião do Governo, Rajoy explicou: “Somos obrigados a recorrer do 9-N em defesa da Constituição. (...) Cumprimos o nosso dever de recorrer de uma decisão que atenta contra os direitos de todos os espanhóis.”  O “direito a decidir”, invocado por Barcelona, não pode ser usado unilateralmente. “Não há nada nem ninguém que possa privar os espanhóis do direito de decidir o que é o seu país.”

No domingo, o Conselho de Estado pronunciou-se pela inconstitucionalidade do referendo, avalizando a posição do Governo. A consulta, argumenta, é um referendo que excede as competências autonómicas. “Afecta a ordem constitucional vigente, pois os [cidadãos] são chamados a decidir sobre uma questão — a constituição da Catalunha como Estado independente — que fere a unidade da nação espanhola e, por isso, está reservada ao povo espanhol enquanto titular do poder soberano.”

Declarou Rajoy que, se Mas acatar a decisão do TC e não “levar as urnas para a rua”, muita coisa se pode negociar, entre elas a proposta em 23 pontos que Mas lhe apresentou e a que nunca deu resposta oficial. É uma abertura que contrasta com a sua linha de intransigência que facilitou a radicalização catalã.

O Partido Popular, de Rajoy, e o PSOE, de Pedro Sánchez, têm tentado articular as suas posições na questão catalã. Sánchez condenou a “ruptura da legalidade” por Mas, “que fere profundamente a democracia espanhola”, solidarizando-se com o Governo. O PSOE defende uma revisão constitucional, num sentido federalista, e admite o reconhecimento de um estatuto diferente para a Catalunha. “Defender a Constituição é renová-la, não petrificá-la. Espero que Rajoy tome consciência da gravidade da situação e enfrente essa reforma da Constituição.”

A resposta de Barcelona
Francesc Homs, “número dois” do governo catalão, acusou Rajoy de “cometer um erro de consequências maiúsculas” com a apresentação do recurso. “Não matará o processo soberanista, antes o reforçará.”

Artur Mas nunca disse que não respeitaria a decisão do TC. Declarou no domingo que se o TC suspendesse a consulta trataria de convencer os magistrados a levantarem a suspensão antes do 9-N. Mas no sábado, apelou à mobilização dos catalães: “Peço capacidade de resistência e não posso esconder que não será fácil, porque isto não se consegue saindo à rua uma vez por ano: o futuro é uma conquista, não é uma oferta e temos de a ganhar.”

Por sua vez, Oriol Junqueras, líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, independentista), afirmou que “nenhuma sentença do TC acabará com o processo soberanista”. Perante a ambiguidade de Mas, repete que a ERC dá apoio parlamentar ao governo de Barcelona “para que se faça o referendo e não para que não se faça”. Denunciou o TC como tribunal “político”.

Junqueras tem falado em “desobediência civil”. Esta poderia traduzir-se na tentativa de fazer o referendo na rua desafiando a legalidade. Entres outros riscos, transformaria o referendo numa farsa em que os independentistas teriam uma vitória quase por unanimidade perante uma abstenção maciça. Alguns radicais pensarão inclusive no “modelo ucraniano”, com a ocupação da Plaça de Catalunya, em Barcelona, para forçar os acontecimentos.

Provável é a abertura de um longo processo de confronto político. Há na Catalunha uma larga base independentista, mobilizada por organizações como a Assembleia Nacional Catalã, que se assume como vanguarda do processo soberanista. Esta dinâmica condiciona fortemente as opções de Mas e da Generalitat. As sondagens mostram que os independentistas representam cerca de 30% do eleitorado e que 60% dos catalães não acreditam na viabilidade da independência. Mas há momentos históricos em que as decisões são ditadas por minorias activas. A margem de manobra de Mas é muito estreita.

“Ainda podemos endireitar o rumo”, disse nesta segunda-feira Rajoy a Mas. No entanto, não é muito realista esperar um discussão séria e, muito menos, grandes decisões antes das legislativas do fim de 2015.

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