Ensimesmado

Vencedor do IndieLisboa 2013, o filme de João Vladimiro é um filme-ensaio sensorial e abstracto que não consegue fazer clique com o espectador.

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Trailer Lacrau

Na mesma semana em que Os Gatos Não Têm Vertigens é a mais recente produção portuguesa a procurar conquistar um público por demais arredio, uma sala de Lisboa recebe um dos mais radicais gestos cinematográficos feitos entre nós nos últimos anos.

Lacrau, segunda longa de João Vladimiro e vencedor do concurso nacional do IndieLisboa 2013, é um filme que se coloca desde o princípio do lado do cinema enquanto desafio e objecto de arte; procura uma transcendência sensorial e abstracta no modo como experimenta com a dissociação de imagens e sons para criar um filme-ensaio sobre o contraste e a distância entre o viver urbano e o viver rural, opondo a pureza primordial e comunal da vida no campo à frieza isolada das grandes metrópoles. A linhagem em que Lacrau se instala de corpo inteiro é, claramente, a de gente como António Reis ou Michelangelo Frammartino, no modo como quer forçar um outro olhar, mais limpo, mais cândido, sobre o “velho mundo”.

Mas a odisseia pagã e telúrica procurada por João Vladimiro acaba por guardar demasiado zelosamente o seu acesso; é o exacto idealismo que a propulsiona, sisudo e apaixonado, pensado ao máximo pormenor, que o deita a perder. A sua austeridade paredes-meias com o experimentalismo, a sua ambição de manipular a imagem e o som para criar uma espécie de cinema puro, nunca conseguem criar um “clique” com o espectador, pedem-lhe apenas que seja mero receptor de uma barragem audiovisual de justaposições rigorosas, herméticas, que certamente ressoarão com quem o fez mas não encontram forçosamente tradução na cabeça de quem o vê. João Vladimiro nunca consegue explicar exactamente ao que vem, o que Lacrau é, ou o que quer ser. E não é por ausência de talento que o seu filme se resume a um son et lumière ensimesmado e autista que parece não ter unhas para a guitarra que pretende tocar. Lacrau é um “filme de juventude”, com tudo o de bom e de mau que isso implica – e que, neste caso, tem mais de mau que de bom.

 

 

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