Marinho e Pinto em versão democrática e republicana

Reúne algumas condições para conseguir furar a geometria da representação política em Portugal. E, apesar de tudo, as contradições no seu discurso já colocam essa possibilidade em risco. Dia 5 de Outubro, lança o PDR-Partido Democrático Republicano

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Marinho e Pinto deixou o MPT para formar um partido novo Rui Gaudêncio

"Não é um primário”, apesar do seu perfil incluir “componentes” do discurso habitualmente visto como populista. O “terreno propício” à sua ascensão no espectro político português já foi criado pelos partidos tradicionais “há mais de dez anos”. E a fragmentação do cenário político – que Marinho e Pinto pode provocar - não tem que ser uma calamidade. Isto apesar do advogado já ter começado a desgastar o seu “capital político”.

Foi o seu nome que permitiu ao MPT eleger dois eurodeputados nas últimas europeias. Meses depois, Marinho e Pinto anunciou a criação de um novo partido para concorrer às eleições legislativas, o PDR-Partido Democrático Republicano, a ser lançado a 5 de Outubro, um ano antes das próximas eleições legislativas.

As razões que justificam o sucesso inicial de Marinho e Pinto, explicam dois investigadores e professores universitários, têm muito que ver com as características pessoais e o percurso do ex-bastonário da Ordem dos Advogados.

Antes de mais, o advogado não representa algo de diferente ao passado. José Manuel Leite Viegas, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa, reconhece uma “relativa novidade” no “perfil” deste político. Marina Costa Lobo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, lembra que em Portugal, partidos e personalidades com um discurso para lá da habitual clivagem ideológica já tinham surgido: “Já tivemos o MEP [Movimento Esperança Portugal] e o MMP [Movimento Manda quem Paga]”.

Mas Marinho e Pinto tem “credenciais”, adverte a investigadora: “Os portugueses são conservadores no momento do voto e para um partido ou personalidade conseguir ultrapassar aquela barreira mínima [que permite a eleição] tem que haver um lastro de actividade política que estabeleça alguma confiança”. Leite Viegas explica que “ter sido bastonário deu-lhe voz na esfera pública”. Enquanto exerceu esse cargo, o eleitorado habituou-se a ouvi-lo falar de transparência e corrupção.

Falou “directamente ao sentimento e frustrações das pessoas” adiantou o professor universitário. “Denunciou casos de corrupção”, potenciando uma imagem de “seriedade” de alguém que era “um homem do povo”, acrescenta Costa Lobo. A sua aceitação aumentou com a sua permanente passagem por programas televisivos. Ambos os investigadores destacaram o investimento de Marinho e Pinto nos programas da manhã dos canais televisivos. E nas noites de debate como o “Prós e Contras”. Leite Viegas recorda as inúmeras vezes com que se deparou na RTP com o agora candidato a tudo.

Outros protagonistas
Os temas que Marinho e Pinto foi abordando ajudaram à sua aceitação. “A sua agenda está assente na questão da classe política e na sua falta de representação”, explica Costa Lobo. Leite Viegas lembra ainda que o seu surgimento também resulta da “quebra de confiança nas instituições”. “É um fenómeno com mais de dez anos, o diagnóstico há muito que foi feito”, concretiza a investigadora do ICS.

O perpetuar do problema já no passado deu espaço a outros protagonistas. Fernando Nobre, presidente da AMI, conseguiu um resultado significativo nas últimas presidenciais. O seu discurso crítico em relação ao funcionamento dos partidos travou a sua eleição para Presidente da Assembleia da República depois de ter sido eleito como independente nas listas do PSD. O “afastamento entre eleitos e eleitores permanece”, vaticina o médico.

Nos objectivos de Nobre na sua passagem pelas listas do PSD encontravam-se os temas de que hoje Marinho e Pinto fala. Como “a transparência em certos processos” ou o “reforço da cidadania”.

Mas Fernando Nobre considera que as suas “motivações eram completamente distintas”. Bem como o seu percurso, feito na “intervenção cívica e social”. E, por isso, se demarca do advogado. “Muitas vezes, mais importante do que se diz é a forma como se diz. O teor do que tenho lido não se compagina com a minha maneira de ser.”

Como tal, um discurso como o de Marinho e Pinto, com espaço mediático para intervir, foi conseguindo furar através das rachas do sistema. Por mais de uma vez foi acusado de ser populista, mas os peritos desmontam essa catalogação.

“É, mas na medida em que as suas propostas são mais um grito de protesto em vez de representarem um alternativa. No seu discurso, encontra-se mais a ideia fácil do que a resolução responsável dos problemas”, começa por identificar Costa Lobo.

Por seu turno, Leite Viegas faz a separação com outros fenómenos que foram surgindo na Europa. “Ele não é um primário e não é anti-sistema. É verdade que encontramos nele a crítica directa à classe política e ao sistema, mas no sentido da sua reforma, da sua maior transparência, com menos abusos e corrupção. Mas a dimensão xenófoba, do ataque aquele que é diferente, já não tem nada a ver com o perfil dele. É um populismo mais burilado”, analisa Leite Viegas.

Ao mesmo tempo que Marinho e Pinto assumia o seu objectivo outras iniciativas surgiam. Para lá do já criado Livre foi anunciado o projecto do “Nós”.

Uma vaga de novos partidos que leva à dúvida da fragmentação. “Se acontecer, só peca por tardio”, afirma Costa Lobo depois de destacar que a “identificação partidária [em Portugal] está em declínio”. Perante um cenário de partidos “rigificados”, admite Leite Viegas, seria “preferível” o aparecimento de novas forças políticas. “Os eleitores ficam com a percepção de que o leque de escolhas é maior”, concretiza Costa Lobo.

Mas essa dispersão também acarreta os seus riscos, como Leite Viegas avisa: “Os partidos não servem só para representar, têm também de criar as condições para uma governação estável.”

Ainda assim, de todos estes casos, é Marinho e Pinto que reúne as melhores condições para dar o salto. Junta à exposição mediática a “credibilidade da liderança”, reconhece Costa Lobo.

O problema é que o debate na arena política é bem mais exigente do que à mesa de um almoço. E as “contradições” no discurso de Marinho e Pinto já começaram a surgir. “Desde que foi eleito tem gasto o capital político que tinha. O anúncio do abandono do MPT cria incerteza e as suas declarações sobre os ordenados no Parlamento Europeu contradizem o seu discurso de seriedade”, alerta Costa Lobo. “Ele vai tropeçar nas pedras do seu próprio caminho. Sendo legítimo defender que o que os eurodeputados ganham é demasiado e o que os deputados ganham é pouco, a verdade é que as pessoas não vão aceitar tão bem essa segunda afirmação porque não joga com o populismo”, explica Leite Viegas.

E depois, frisa Costa Lobo, é preciso olhar para trás para perceber que ainda faltam outras condições essenciais para se chegar a São Bento. “Tem que apresentar uma agenda nova”, diferente das dos partidos tradicionais, e a isso somar alguma “organização”. Algo que Marinho e Pinto terá agora de construir a partir do nada.

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