Condutas de comunicações levam Portugal Telecom e Governo a tribunal

Acção popular de advogado da First Rule quer que a Justiça aprecie se a resolução do Conselho de Ministros de 2013 constitui uma doação de bens do domínio público do Estado ou das autarquias locais à PT.

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Paulo Pimenta

O advogado da First Rule, a empresa contratada pelos municípios de Ourém e do Entroncamento para gerir a rede de condutas do subsolo por onde passam os cabos de telecomunicações, moveu uma acção popular contra a PT Comunicações (PTC) e a Presidência do Conselho de Ministros (PCM), acusando o Estado de “doar um bem público [a rede de condutas] a uma empresa privada”.

Em causa está a resolução nº 72-A de 2013 do Conselho de Ministros (CM), que rectifica o contrato de venda da rede de telecomunicações à PT, realizada em 2002, acrescentando-lhe activos que, “por lapso”, não tinham sido incluídos nessa data. E apesar de o diploma não especificar que se trata da rede de condutas, o advogado Vítor Coelho da Silva, autor da acção, garante que é um “documento que justifica [à PT] a propriedade” das condutas. A sua exploração rende à operadora cerca de 60 milhões de euros anuais que, segundo a acção a que o PÚBLICO teve acesso, pertencem às câmaras.

O processo entrou na semana passada no Supremo Tribunal Administrativo (STA). Coelho da Silva diz que é a primeira vez que o tema da propriedade das condutas vai ser apreciado judicialmente. O advogado explicou que, destinando-se as acções populares a assegurar a defesa dos bens públicos, esta não poderia ser movida por uma empresa, daí que o tenha feito “como um acto de cidadania”, “perante a falta de recursos dos municípios em interporem acções contra a PT”.

Mas a First Rule também avançou recentemente com outra acção no Tribunal Central Administrativo de Lisboa, desta feita para exigir que a PT lhe entregue “todas as rendas que esta a auferir nas concessões que já detém, em Ourém e no Entroncamento [ainda estão por assinar contratos relativos a Oeiras e Tondela e todos os processos estão a ser contestados pela PT em tribunal], pela utilização de bens da autarquia”. No caso do Entroncamento está em causa uma facturação (de Novembro a Março) de mais de 500 mil euros, referente a todos os operadores, diz o advogado.

O contencioso entre a PT e a First Rule arrasta-se há mais de um ano. A empresa e os municípios que representa sustentam que a PT se “apropriou indevidamente” de bens e receitas. Sublinham que a rede de condutas e a rede de telecomunicações são “conceitos legalmente autonomizados” e que só o segundo foi desafectado do domínio público e vendido em 2002 (por 365 milhões de euros). Uma coisa são os tubos onde passam os cabos, e que pertencem aos municípios, outra são os fios que constituem a rede de telecomunicações, defendem, apoiando-se em pareceres dos constitucionalistas Gomes Canotilho e Bacelar Gouveia.

Na resolução de 2013, o Governo explica que o contrato foi alterado para incluir “determinado número de activos” que erradamente ficaram em falta na versão original. São “bens pertencentes à rede básica contabilisticamente registados pela PTC no seu activo entre 1 e 27 de Dezembro de 2002”, acrescenta o documento.

Governo numa posição "fragilizada"
Que bens são estes? O diploma não especifica e, segundo o advogado, o Governo não sabe, pois, na resposta que deu a uma providência cautelar com que a First Rule tentou inicialmente travar a resolução (e o contrato rectificativo), respondeu que, se a eficácia fosse suspensa, o Estado poderia “ver-se sujeito a assumir um complexo acervo de obrigações relativas à gestão de activos que, desde há pelo menos 11 anos, não constituem património público (…) o que implicaria, ainda, o suportar de elevados custos e encargos humanos, temporais e materiais, com todas as dificuldades técnicas e riscos associados, tais como acções de inventariação, de gestão e de manutenção, por um período de tempo indeterminado”. Ao declarar que teria de inventariar o património, o Estado assume que não sabe o que vendeu em 2002, nem o que acrescentou aos contrato em 2013, defende o advogado.

A acção popular argumenta ainda que, “aproveitando o facto de o próprio Governo estar numa posição fragilizada”, encontrando-se a negociar com a PT a indemnização pela revogação antecipada do contrato de concessão do serviço público de telecomunicações (cumprindo uma exigência de Bruxelas), a empresa conseguiu, por via da resolução do CM, um “instrumento legal” que lhe permite “fundar o direito de propriedade sobre quaisquer infraestruturas” para passar rede de comunicações.

O advogado da First Rule explicou ainda que a providência cautelar não foi aceite porque o juiz entendeu que não havia nada no seu conteúdo que não pudesse ser julgado numa acção principal, que a empresa entendeu não iniciar, optando antes, “por uma questão de estratégia”, pela acção popular. “A questão substantiva, isto é, saber-se a resolução é válida ou ilegal não chegou a ser apreciada”, salvaguardou.

Contactada pelo PÚBLICO, a PT não comentou, e o Ministério da Economia, que tutela a área das telecomunicações, remeteu para um esclarecimento anterior enviado ao PÚBLICO. Neste, refere que, tendo o Governo sido “confrontado” com o “lapso” de não estarem incluídos no contrato de venda a rede à PT todos os activos, entre eles activos da Companhia Portuguesa Rádio Marconi, “diligenciou pela sua correcção”.

Coelho da Silva quer que sejam notificados como testemunhas neste processo os presidentes da NOS (Miguel Almeida), Vodafone (Mário Vaz) e Cabovisão (Alexandre Fonseca).

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