Rui Moreira avisa que pode expropriar edifícios para salvar lojas ameaçadas pelo aumento das rendas

Presidente da Câmara do Porto quer que estabelecimentos históricos de "interesse público" sejam protegidos do aumento muito elevado de rendas.

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Fernando Veludo/Nfactos

A sala do Hotel Intercontinental, no Porto, estava cheia de investidores, proprietários e potenciais proprietários de edifícios no centro da cidade e foi a eles que o presidente da autarquia, Rui Moreira, se dirigiu, com um aviso muito claro: “Se porventura pensarem que vão expulsar [cafés e lojas históricas] resistentes da cidade, saibam que a Câmara do Porto utilizará todos os recursos legais ao seu alcance para o impedir. Para sermos claros, no Estado Novo usavam-se expropriações por esta razão”.

O autarca falava na abertura da conferência Reabilitar para Revitalizar, que marcou o 10.º aniversário da Porto Vivo – Sociedade de Reabilitação Urbana (SRU) e o fim do programa de intervenção do Eixo Mouzinho/Flores, e tinha na audiência um outro interlocutor especial – o secretário de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Miguel de Castro Neto. Foi a ele que o presidente da Câmara do Porto se dirigiu primeiro, manifestando-lhe o que disse ser a sua “principal preocupação”. “Há um crescimento vertiginoso dos preços das transacções na baixa e no centro histórico da cidade. Receio que a população autóctone possa ser expulsa e não queremos nem imaginar a cidade sem esta população, sem a forma como falam, como se comportam, como conhecem e se movimentam na cidade”, disse.

Rui Moreira defendeu que a actualização de rendas era “razoável e útil”, mas não a qualquer preço. E, depois, voltou-se para os proprietários, dizendo que, apesar do “muito respeito” que tem por eles, irá estar “muito alerta” em relação à forma como eles lidam com espaços emblemáticos da cidade. “Estou muito preocupado com os cafés históricos e lojas tradicionais da cidade. Eles que aguentaram tanto tempo, subitamente, podem ser excluídos, quando, pela primeira vez, vêem que o investimento que fizeram começa a dar frutos?”, questionou. E afiançou: “Não queremos transformar o Porto na República Dominicana das cidades”.

À margem da conferência, o autarca confirmou aos jornalistas que “no limite” está disposto a avançar com expropriações, caso espaços que o município considere serem de interesse municipal estejam em risco de fechar as portas por causa do aumento das rendas. “Não consigo imaginar a cidade sem o [café] Guarany, sem o [café] Majestic, sem a Loja das Sementes”, disse.

Ainda durante a conferência, o secretário de Estado procurou sossegar o autarca, garantindo-lhe que a revisão em curso da Lei das Rendas vai permitir “um regime de protecção alargado” e, aos jornalistas, Miguel de Castro Neto, explica que o documento que está na Assembleia da República já não prevê um regime de protecção apenas para empresas que tenham até 5 trabalhadores e um milhão de euros de facturação anual, dobrando, em ambos os casos, o valor. O prazo de transição para o regime de renda livre também aumenta, passando a ser de oito anos.

Rui Moreira diz que isto não chega. “Tenho dúvidas quanto ao número de trabalhadores”, afirmou o autarca, referindo que “facilmente” alguns cafés históricos da cidade têm mais de 10 trabalhadores.  O presidente da Câmara do Porto pede, assim, que a intervenção na Lei das Rendas “vá um pouco mais longe” e que haja maior protecção para estabelecimentos considerados de interesse público. “Entendo que este interesse público não possa ser decidido pelo município, pela proximidade, mas envolvendo, o exemplo, a Secretaria de Estado da Cultura”, defendeu.

Na conferência, o presidente da SRU, Álvaro Santos, mostrou-se optimista quanto ao futuro da reabilitação urbana, defendendo que a nova missão da Porto Vivo é “alargar” essa reabilitação a toda a cidade. Para tal, afirmou, “está a trabalhar, em estreita parceira com a Câmara do Porto, na delimitação de novas Áreas de Reabilitação Urbana, nomeadamente, dos Aliados, Cedofeita, Bonfim, Miragaia, Lapa e Santos Pousada”.

O responsável pela Porto Vivo disse ainda que a previsão para os próximos 15 anos é que estas novas ARU’s venham a beneficiar de “cerca de 200 milhões de euros de investimento público” e de “1300 milhões de euros” de investimento privado. Já as receitas fiscais e de licenciamentos geradas por estes investimentos deverão ascender também aos “200 milhões de euros”, afirmou.

O secretário de Estado também tinha milhões para anunciar à plateia. Miguel de Castro Neto disse que o seu gabinete está a “trabalhar” com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional “na criação de mecanismos financeiros para a reabilitação urbana”. Uma espécie de “balcão único” onde se poderão dirigir todos os que procuram financiamento público – nacional, internacional e de fundos comunitários – para a reabilitação urbana e que o governante tem a expectativa de ver nascer com 1500 milhões de euros, incluindo “600 milhões [do ciclo de fundos comunitários] Portugal 20/20”, disse.

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