Foram as empresas de sondagens derrotadas ou fizeram bem o seu trabalho?

Há um ano, os estudos de opinião davam 20 pontos de diferença a favor do "não", mas a aceleração do "sim" na recta final da campanha provocou apreensão nas empresas de sondagens.

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Jovens defensores do "sim" à independência lamentam a vitória do "não" em Glasgow Cathal McNaughton/Reuters

Os últimos dias de campanha para o referendo sobre a independência da Escócia foram tão intensos que quase apagaram da memória a época em que o apego dos escoceses ao Reino Unido era um dado adquirido. Em poucas semanas, o rotundo "não" que as sondagens gritavam há um ano transformou-se numa luta renhida entre os dois lados da barricada, o que levou alguns responsáveis por empresas de estudos de opinião a temerem ficar com o orgulho ferido no dia do anúncio dos resultados.

O receio foi verbalizado no final da semana passada por Martin Boon, director da ICM Research, uma das mais conceituadas empresas de sondagens do Reino Unido: "O melhor que podemos esperar, como indústria, é esquivarmo-nos de uma bala, mas é perfeitamente possível que comecem a ser disparadas várias balas na nossa direcção", disse o especialista no programa More or Less, da BBC Radio 4. Sublinhando o receio de que a noite de quinta para sexta-feira se tornasse num pesadelo, Boon chegou a dizer que o referendo escocês poderia ser uma espécie de "Waterloo das sondagens".

A primeira sondagem a dar uma ligeira vantagem ao "sim" à independência tinha saído há poucos dias, e a expressão "too close to call" (que transmite a ideia de um resultado renhido) começou a ser usada sempre que se escrevia ou falava sobre o assunto – algo que seria difícil de imaginar há um ano, quando a generalidade das sondagens dava uma média de 20 pontos percentuais de vantagem ao "não".

O responsável pela análise de dados estatísticos no jornal The Guardian, Alberto Nardelli, defende que as empresas de sondagens ficaram mesmo à beira de uma derrota histórica, depois de os resultados finais terem dado uma vantagem superior a dez pontos percentuais ao campo do "não" (55,3% contra 44,7%).

"A Escócia disse 'não' à independência de uma forma estrondosa. Uma diferença de 10,6 pontos é concludente e mais próxima de uma vitória esmagadora do que do território do 'too close to call'", escreve Alberto Nardelli no The Guardian.

Para o jornalista, "a convergência à volta de uma média de quatro pontos [de diferença] estava errada e, em certa medida, sugere a existência de um erro sistemático nos modelos usados pelas empresas de sondagens".

Mas se é inegável que o "sim" começou a subir em meados de Agosto, também é verdade que as várias sondagens foram apresentando resultados convergentes ao longo dos tempos – quando uma apontava para um empate técnico, quase todas as outras seguiam o mesmo caminho.

É essa convergência que leva Pedro Magalhães, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a manifestar uma opinião contrária à de Alberto Nardelli.

"Durante muito tempo parecia que o resultado estava mais ou menos garantido, mas depois houve uma aceleração do 'sim'. Os responsáveis das empresas de sondagens estavam preocupados com o facto de serem acusados de estarem a dar uma imagem incorrecta da opinião pública", disse Pedro Magalhães ao PÚBLICO.

"É a partir de meados de Agosto que a intenção de voto no 'sim' começa a ganhar embalagem. E a verdade é que a partir do momento em que isso sucede, as sondagens tornam-se muito convergentes na mensagem que estão a enviar", explica Pedro Magalhães.

Por esse motivo, o especialista afasta qualquer cenário de "Waterloo das sondagens" que o director da ICM Research tanto temia.

“De maneira nenhuma. Temos a indicação de que 8% dos votantes decidiram no próprio dia, e não há sondagem nenhuma que consiga lidar com isto. As próprias sondagens captaram o facto de o 'sim' ter chegado ao máximo a uma semana da eleição e de ter começado a diminuir desde aí. Nesse sentido, o resultado pode ser visto como a concretização dessa tendência que as sondagens captaram. Não vejo de maneira nenhuma como uma derrota das sondagens", concluiu o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

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