Escócia: “O meu coração diz sim, a minha cabeça diz não”

Indecisos têm na mão a chave do referendo escocês. Líderes dos principais partidos britânicos divulgaram compromisso solene para dar mais poderes à Escócia.

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Comportamento dos indecisos pode fazer toda a diferença BEN STANSAL/AFP

Anne, que não quer dizer o apelido, ainda não sabe o que vai fazer na quinta-feira, quando for votar no referendo que pode levar à independência da Escócia. “O meu coração diz ‘sim’ mas a minha cabeça diz ‘não’. Acho que vai depender de como estiver no dia.”

Tal como Anne, ouvida pela Reuters, muitos escoceses estão ainda, nesta recta final de campanha, hesitantes. É para eles que os políticos dirigem os últimos esforços de campanha de um referendo que pode mudar o desenho do Reino Unido.

Mas os argumentos que os indecisos têm ouvido de um e do outro lado sobre as consequências do “sim” – para a economia, a segurança social e o sistema de saúde da Escócia – parecem não dissipado ainda as dúvidas de todos.

Se para muitos, como Simon, 24 anos, que trabalha numa livraria da capital, Edimburgo, boa parte dos riscos económicos associados ao cenário de independência “parecem ser histórias para assustar” – e por isso vai votar “sim” –, para outros a incerteza pesa.

“O lado económico é importante para mim, e estou inclinado para o ‘não’. Os políticos prometem sempre o Sol, a Lua e a Terra, mas eu não acredito neles”, disse Geoff, um dos eleitores ouvidos pela Reuters, que trabalha no aeroporto.

Anne, escocesa de Lochgelly, a norte da capital, está entre a opinião de um e de outro dos seus dois compatriotas. E preocupada com o que possa acontecer depois de uma eventual saída do Reino Unido. “É um grande risco, não podemos saber o que vai acontecer. Se mesmo os empresários não estão de acordo sobre o impacto que pode ter, como é que nós vamos saber?”

As sondagens indicam que pelo menos 10% dos eleitores ainda não sabem como votar, o que daria um número de indecisos próximo do meio milhão, entre mais de quatro milhões de eleitores. Mas Ben Page, director executivo do grupo Ipsos Mori, disse à BBC Radio que a maior parte já terá na verdade tomado uma decisão e que não mais de 4% estarão ainda a hesitar.

Por poucos que sejam, numa corrida tão cerrada os indecisos podem fazer toda a diferença. Numa das últimas sondagens, a distância entre o “sim” e o “não” era de apenas dois pontos a favor dos partidários da manutenção no Reino Unido.

"Tudo ou nada"

A  Reuters deparou-se nesta fase final de campanha com a recusa de muitos escoceses em declararem a sua intenção de voto, o que pode ser sinal do que os académicos chamam um “não envergonhado”.

Talvez por comportamentos como esse, talvez por outros indicadores, Peter Kellner, presidente da empresa YouGov, que há semana e meia divulgou um sondagem que admitiu a vitória do “sim” – e acendeu as luzes de alarme em Londres – pensa que “a menos que aconteça algo dramático, uma vitória do ‘não’ é agora o resultado mais provável. “Sublinho a palavra ‘provável’: não é certo… mas o impulso a favor do ‘sim’, que causou tanta consternação, parece ter passado”, disse, citado pela agência noticiosa britânica.

A dois dias da votação, os dirigentes dos três principais partidos políticos britânicos jogaram nesta terça-feira mais uma cartada – divulgaram uma declaração solene conjunta na qual se comprometem formalmente a reforçar os poderes do Parlamento de Edimburgo em caso de vitória do “não”. A declaração foi considerada “histórica” pelo Daily Record, principal jornal escocês.

O “juramento” assinado pelo primeiro-ministro conservador, David Cameron, o vice-primeiro-ministro liberal-democrata, Nick Clegg, e o líder da oposição trabalhista, Ed Miliband, apresentado sob a forma de um pergaminho amarelecido, na primeira página do jornal, é um verdadeiro “tudo ou nada” em defesa do actual figurino do Reino Unido.  

Os  três líderes britânicos confirmam o calendário de atribuição de novos poderes anunciado na semana passada, depois da sondagem que admitiu a vitória ao “sim”, e prometem que o Parlamento de Edimburgo terá a última palavra sobre o financiamento do Serviço Nacional de Saúde da Escócia. “As pessoas querem a mudança. Um voto pelo ‘não’ permitirá uma mudança mais rápida, mais segura e melhor do que uma separação”, argumentam.

A resposta dos defensores da independência chegou através de um porta-voz citado pela AFP: “A verdade é que a única forma de garantir à Escócia todos os poderes de que ela necessita, é votando ‘sim’ na quinta-feira”. Mais tarde, o líder independentista, Alex Salmond, classificou o gesto como uma “oferta vazia, de última hora”.

Se em Edimburgo os independentistas desvalorizam as promessas, em Londres comentadores começam a olhar para as concessões à Escócia com inquietação. “A lógica da regionalização pode levar a um enfraquecimento da identidade nacional e a uma redistribuição de riqueza menos equitativa”, escreveu Polly Toynbee, no jornal Guardian.

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