Governo de Valls tem a confiança do Parlamento francês, mas não sai reforçado

O primeiro-ministro queria impor-se aos deputados que contestam a linha traçada pelo Presidente Hollande e pela Europa, que exige cortes e sacrifícios. Mas 32 deputados socialistas abstiveram-se, agravando esta rentrée infernal.

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Manuel Valls: "Reformar é escolher as prioridades" PATRICK KOVARIK/AFP

O segundo governo de Manuel Valls obteve a confiança do Parlamento – 269 a favor, 244 contra. Mas houve 32 abstenções de deputados socialistas em revolta contra a linha seguida pelo executivo. Com este resultado, Valls passa a ter uma maioria relativa e não absoluta.

O gesto era sobretudo simbólico, para se impor às vozes críticas no seio do próprio Partido Socialista francês, que reclamam uma governação mais à esquerda. O primeiro-ministro, que pela segunda vez desde Abril se submete a um voto de confiança, mantém-se firme no rumo traçado por François Hollande, o mais impopular dos Presidentes, com reformas que exigem cortes na despesa, exigidas pela Comissão Europeia, apesar de ter pedido a Bruxelas um adiamento na meta de cumprimento do défice. Mas abundam os rumores de que o próprio Valls deverá ser um governante a prazo: por causa de um país descontente com Hollande, mas também por causa de um partido dividido.

Valls anunciou algumas medidas simpáticas: uma redução, que não quantificou, do imposto sobre os rendimentos para seis milhões dos contribuintes mais desfavorecidos, e vários gestos a favor dos reformados, incluindo um aumento da pensão de sobrevivência (de 791,99 euros para 800) e uma bonificação excepcional para os que recebem menos de 1200 euros. “Ao recusarmos a austeridade, protegemos os mais frágeis e os mais modestos, defendemos o nosso modelo de sociedade”, assegurou o primeiro-ministro.

Por outro lado, a revelação pelo jornal económico Les Echos de propostas que a organização dos patrões da indústria (Medef) pretenderia apresentar na concertação social em Outubro, que incluíam mexer na lei das 35 horas de trabalho semanal e suprimir dois feriados nacionais para criar mais empregos serviu também a Valls para brilhar junto da esquerda – embora o primeiro-ministro tenha sido muito aplaudido na universidade de Verão do Medef e tenham corrido rumores de que estaria disposto a mexer na lei das 35 horas.

 “Reformar, não é partir, não é voltar para trás. Não serão postas em causa as 35 horas, nem o tempo de trabalho. Reformar é escolher as prioridades”, afirmou Valls, num discurso em que teve de manter vários equilíbrios.

A rentrée política foi este ano um pesadelo para os socialistas: no fim de Agosto, o ministro da Economia, Arnaud Montebourg, um rosto da esquerda do PS, foi forçado a demitir-se depois de ter contestado abertamente a linha económica do Governo. Os ministros da Educação e da Cultura demitiram-se com ele. Um secretário de Estado, nomeado para o Governo Valls 2, foi afastado porque não declarou os seus impostos entre 2012 e 2014. E o golpe de misericórdia foi dado pela ex-companheira do Presidente da República, Valérie Trierweiler, que lançou um livro em que revela pormenores da intimidade da sua relação verdadeiramente assassinos.

“Compreendo que para vós, o clima das últimas semanas, cheio de indignidades, de narcisismos, torna esta tarefa mais difícil”, apelou Manuel Valls aos deputados no seu discurso de política geral, antes da votação. Aos mais próximos, diz o Le Monde, Valls tem dito que "se a situação não mudar, dentro de três a seis meses, está tudo lixado."

A queda desamparada de Hollande na opinião pública já não é comparável a nada: só 13% dos franceses ainda confiam nele. Valls, que já foi o político mais popular de França – e cuja nomeação para primeiro-ministro deveria ter feito subir a popularidade do Presidente – afundou-se também. Perdeu seis pontos em Setembro, e tem agora apenas 22% de opiniões favoráveis, segundo uma sondagem YouGov.

Por isso os analistas políticos falam na possibilidade cada vez mais real de um terceiro primeiro-ministro para o desastroso mandato presidencial de Hollande. Uma personalidade mais à esquerda, como Martine Aubry, a presidente da Câmara de Lille, ex-dirigente do PS, rival de Hollande – e de Valls – nas primárias em que foi escolhido como candidato socialista a disputar as eleições presidenciais de 2012 com Nicolas Sarkozy. No último mês, ela tem voltado à ribalta da cena política, em confronto com Valls, com quem anteriormente teve choques graves.

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