Uma em cada nove pessoas no mundo passa fome

Relatório da FAO indica um decréscimo da população em situação de desnutrição crónica, mas os números são ainda alarmantes.

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Na África subsariana, uma em quatro pessoas permanece subnutrida TONY KARUMBA/AFP

Pelo menos 805 milhões de pessoas no mundo, ou seja, uma em cada nove, passam fome. Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), relativo ao período de 2012 e 2014, apesar de se ter registado uma tendência positiva na última década, com 100 milhões de pessoas a saírem do estado de desnutrição crónica, a FAO considera que os números continuam a ser “inaceitavelmente elevados”, principalmente nas regiões da África subsariana e da Ásia.

As estatísticas agora avançadas são comparadas pela FAO com as recolhidas entre 1990 e 1992. Segundo a organização, mesmo havendo ainda 805 milhões de pessoas com fome actualmente, houve um decréscimo de 209 milhões desde 1992. Desde esse período, 63 países atingiram a meta estabelecida pelos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (MDG, sigla em inglês) e seis outros estão a caminho de o fazer até ao próximo ano. Os MDG pretendem que até 2015 se reduza para metade a percentagem de pessoas cujo rendimento é inferior a 1 dólar (77 cêntimos) por dia e a percentagem da população que sofre de fome.

O relatório Estado da Segurança Alimentar no Mundo 2014 concluiu que a tendência de decréscimo das pessoas subnutridas nos países em desenvolvimento “significa que os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio de reduzir para metade a proporção de pessoas subnutridas até 2015 são alcançáveis, se esforços adequados e imediatos forem intensificados”.

Sobre este ponto o director-geral da FAO, José Graziano da Silva, defende: "O trabalho que está a ser desenvolvido pelas nações em desenvolvimento é a prova de que podemos vencer a guerra contra a fome e isso deve inspirar os países a avançar, com o apoio da comunidade internacional, se necessário." Para Silva, a “redução da fome substancial e sustentável é possível”, bastando para isso um “compromisso político” para erradicar a fome até 2025.

Apesar de um balanço com alguns pontos positivos na erradicação da fome, os números de várias regiões e sub-regiões do planeta continuam a ser preocupantes. É o caso da África subsariana, fortemente afectada por conflitos e desastres naturais, onde uma em quatro pessoas permanece subnutrida, num total aproximado de 214 milhões. A Ásia é a região com mais população do mundo e onde está concentrada a maior percentagem de pessoas com fome. A FAO indica que, apesar de ter havido uma diminuição em países como a China, Índia e Vietname, a região reúne dois terços das pessoas subnutridas do mundo, perto de 526 milhões.

A região da América Latina e Caraíbas foi, por outro lado, uma das mais bem-sucedidas no combate à fome nos últimos anos, passando de 69 milhões de pessoas em 1992 para 37 milhões este ano. A Oceânia continua a ser a região onde os números de subnutrição são menores. Em mais de uma década, a população com fome é de cerca de um milhão de pessoas.

Nas regiões dos países desenvolvidos, que inclui a Europa e, por sua vez, Portugal, esta realidade afecta 15 milhões de pessoas, de acordo com a FAO. A organização não apresenta números específicos para os países desenvolvidos.

O que se está a fazer em sete países
O relatório sublinha que dez países “tiveram um maior sucesso na redução do número total de pessoas que passam, fome tendo em conta a proporção da sua população nacional”: Arménia, Azerbaijão, Brasil, Cuba, Geórgia, Gana, Kuwait, São Vicente e Granadinas, Tailândia e Venezuela. Mas o documento das Nações Unidas reduziu para sete os países onde foram analisadas diferentes realidades quanto à segurança alimentar e nutrição, “condicionadas por níveis diferentes de estabilidade política e crescimento económico, bem como por condições culturais, sociais e ambientais distintas”.

Na Bolívia, um dos países estudados, o combate à fome está a ser desenvolvido por instituições que centram o seu trabalho na população mais pobre, nomeadamente junto dos povos indígenas. O Brasil é destacado pela FAO pelo programa Fome Zero, que pretende erradicar a fome extrema. O programa conseguiu colocar na agenda do Governo a questão da segurança alimentar e, neste momento, o Brasil é um dos países que atingiram as metas dos MDG e da Cimeira Mundial da Alimentação.

A realidade é diferente no Haiti, um país onde “mais de metade da população sofre de desnutrição crónica” e que ainda tenta recuperar da devastação provocada pelo sismo de há quatro anos. Mesmo assim, a FAO realça o trabalho desenvolvido para melhorar a produção agrícola e apoiar as famílias de pequenos agricultores.

A Indonésia adoptou legislação para garantir a segurança alimentar e a nutrição da sua população, envolvendo ministérios, ONG e líderes de comunidades locais.

Madagáscar, ainda a tentar resolver as dificuldades que resultaram de uma crise política, está a tentar estabelecer relações com parceiros internacionais que ajudem o país a combater a pobreza a e malnutrição. O Malawi foi outro dos países que atingiram os objectivos dos MDG, mas enfrenta ainda um grande desafio: erradicar a fome entre as crianças com menos de cinco anos, um problema que afecta cerca de 50% desta faixa etária. O trabalho das tutelas é feito junto das pequenas comunidades, no sentido de melhorarem a alimentação com a introdução de alimentos mais saudáveis e variados.

Na ponta oposta da lista da FAO surge o Iémen, um país debilitado por conflitos, dificuldades económicas, baixa produção agrícola e uma taxa de pobreza muito elevada. Apesar de um cenário pouco favorável, o país comprometeu-se a reduzir em um terço a percentagem de população com fome até 2015 e reduzir em um por cento ao ano as taxas de crianças malnutridas.

O relatório da FAO vai ser debatido por governos, sociedade civil e representantes do sector privado na reunião do Comité sobre a Segurança Mundial Alimentar, que irá decorrer entre 13 e 18 de Outubro, em Roma.

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