Portugal disposto a ir mais longe do que os países em que se inspira

França e Reino Unido restringem mais o acesso à informação sobre agressores sexuais de menores.

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Catarina Oliveira Alves/Arquivo

O Ministério da Justiça inspirou-se na França e no Reino Unido para fazer a sua proposta de registo de identificação de condenados por crimes sexuais contra crianças. Só que a França não presta infrormação a qualquer cidadão, ainda que seja mãe ou pai, e até há pouco o Reino Unido também não.

Na proposta, o ministério lembra que os sistemas da França e do Reino Unido foram analisados pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em cinco acórdãos e considerados em conformidade com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, incluindo o respeito pela vida privada e familiar. Aceitou o registo como “medida preventiva e de reincidência”. Não o entendeu como uma pena acessória.

O modelo francês, aprovado em 2004 e em vigor desde 2005, não abre o registo ao público. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou que a inscrição na base de dados nacional estabelecia “um justo equilíbrio entre os concorrentes interesses públicos e privados em jogo". A duração da conservação de dados – 20 a 30 anos – também não lhe pareceu desproporcionada, até porque a consulta é restrita a certas agências sujeitas a um estrito dever de sigilo.

O Reino Unido tem um sistema de registo desde 1997. Durante anos, defendeu que abri-lo ao público não aumentaria a protecção das crianças, apenas empurraria os condenados para o submundo. Em 2008, experimentou disponibilizar informação sobre condenados a pais, guardiões e cuidadores. Desde o ano passado, em Inglaterra e no País de Gales, qualquer pessoa pode perguntar à polícia se alguém com acesso a uma criança tem cadastro por crimes sexuais contra menores. Se achar que é do superior interesse da criança, a polícia poderá então revelar essa informação. Na Escócia há algo parecido. Na Irlanda do Norte, a informação sobre condenados por crimes sexuais só pode ser partilhada entre polícias.

Em cada vez mais países se discute a existência de registos de identificação de condenados por crimes sexuais e a questão que se coloca sempre é: quem tem acesso a essa informação? Levanta-se o problema do equilíbrio entre a protecção de crianças e jovens e a reinserção de condenados, que já cumpriram pena. E Portugal não será excepção.

Nesta terça-feira, o antigo procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, disse à Lusa que é preciso ter uma “cautela extrema” em matéria de acesso a esta lista, não vá ela parar à primeira página de um jornal. “Nunca mais têm emprego, nunca mais têm nada”, considerou. Noutra ocasião, a actual titular do cargo, Joana Marques Vidal, declarou: "Só admito a possibilidade de as polícias terem acesso à identificação, e em casos de especial gravidade ou de reincidência".

Tudo começou nos Estados Unidos da América em 1994. Os métodos variam de estado para estado, bem como o tipo de informação disponibilizada, mas a notificação à comunidade é obrigatória. Cada um tem a sua página na Internet e estão todos ligados a um site de âmbito  nacional.

Nem de propósito. Esta quarta-feira, começa a conferência mundial da IATSO (International Association for the Treatment of Sexual Offenders). Durante os próximos dias, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências das Educação da Universidade do Porto, vão passar cerca de 300 especialistas, 98% dos quais estrangeiros, para debaterem políticas criminais. A discorrer sobre a eficácia do processo de registo e notificação dos agressores sexuais estarão dois investigadores de renome: Terry Thomas (University of Leeds, Reino Unido); e Bill Hebenton (University of Manchester, Reino Unido). Ricardo Barroso, professor na Universidade de Trás-os-Montes, está na organização. Avisa que as listas de pouco servem, se não forem acompanhadas por outro género de medidas, como a intervenção terapêutica com agressores em contexto prisional.

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