Estado terá pago mais de 100 milhões de euros por software que podia ter custo zero

Entre 2008 e 2013, as instituições públicas foram dotadas de sistemas software para Sistemas de Informação Geográfica e de produtividade/escritório no valor de milhões de euros.

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Nelson Garrido

Pelo menos 113 milhões de euros foram gastos pelo Estado para aquisição de software a utilizar na administração pública, entre 2008 e 2013, um valor que, segundo um estudo revelado esta terça-feira, poderia ter sido evitado nas contas do país se as instituições públicas tivessem optado por software livre, a "custo praticamente zero".

A investigação “Jangada de SIG na Administração Pública Portuguesa”, realizada por uma equipa da Universidade de Coimbra (UC), no âmbito do Mestrado em Tecnologias de Informação Geográfica, concluiu que em cinco anos o Estado gastou mais de 24 milhões de euros na aquisição de software para Sistemas de Informação Geográfica (SIG). O valor poderia ter ficado nos cofres do Estado se se tivesse optado por “soluções alternativas de software livre [ou de código aberto] a custo (praticamente) zero”, sublinha a UC.

No mesmo período foram pagos no total perto de 113 milhões de euros, se nesta conta fosse incluído também o software de produtividade/escritório, indica o estudo coordenado por José Gomes dos Santos, docente no Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Gomes dos Santos explica que as conclusões do estudo resultam da “inventariação e análise efectuadas aos dados contratuais disponíveis em plataformas públicas online de acesso livre, como a base.gov, relativos a instituições ligadas ao ensino superior e a instituições cuja moldura estatutária as enquadra na estrutura administrativa pública do Estado”.

Com base nos dados analisados, foram encontrados seis contratos entre os Estado e empresas fornecedoras de software, cinco de SIG e uma de produtividade/escritório.

O docente da UC sublinha que a importância que o software livre tem vindo a assumir na última década tem-se manifestado “numa oferta plural de aplicações interoperáveis de elevada qualidade e que pode permitir gerir melhor o dinheiro de todos nós”.

Ao PÚBLICO considerou que, numa altura em que se passa por constrangimentos económicos, se o "Estado quer cortar nas gorduras, uma das gorduras a ser cortada seria a utilização do software proprietário". O docente sublinha que apesar de "existirem soluções disponíveis, que em tese são a custo zero", estas poderão obrigar a, por exemplo, gastos com a formação dos funcionários públicos no caso de se optar por um processo de migração de software proprietário para o livre.

“Um bom exemplo a seguir é o do Brasil, onde a utilização de software livre/de código aberto é, praticamente, obrigatória nos organismos públicos – incluindo os de ensino superior”, sublinhou Gomes dos Santos.

O gabinete do secretário de Estado para a Modernização Administrativa não comenta o estudo apresentado pela Universidade de Coimbra por desconhecer o trabalho. Sublinha, por outro lado, que “embora ainda haja um percurso a percorrer no que toca à adopção de software livre pela Administração Pública, muito do caminho já está percorrido”.

A tutela afirma que o Plano Global Estratégico para as Tecnologias de Informação e Comunicação (PGETIC) na Administração Pública já prevê a adopção de software aberto nos sistemas de informação do Estado e que têm já sido feitas poupanças no valor de milhões de euros.

O gabinete de Joaquim Pedro Cardoso da Costa recorda que com os orçamentos do Estado para 2013 e 2014 tornou-se “obrigatória a adopção de software aberto pela Administração Central, excepto quando, através do estudo do custo total de posse a 4 anos, seja demonstrado o aumento dos encargos públicos com tal opção”.

Foi também definida uma lista de software livre a adquirir pelo Estado disponível no site do software público, onde se indica também as soluções que foram bem-sucedidas em serviços da Administração Pública.

O Governo destaca ainda os testes-piloto que têm sido feitos com a aplicação de software livre, dando como exemplo o realizado na Inspecção Geral das Actividades Culturais (IGAC), que permitiu uma poupança superior a 50%, menos cerca de 169 mil euros na despesa total.

Junto dos funcionários públicos e de entidades públicas e privadas foi iniciado um “processo de comunicação e gestão da mudança em relação ao software aberto”.

Feitas as contas às iniciativas tomadas pelos vários ministérios para aplicar o PGETIC, o Governo indica que até Junho deste ano foi feita uma poupança em Tecnologias de Informação e Comunicação de cerca de 3,1 milhões de euros, em relação a 2011.

Assegurando que a “expansão desta iniciativa a outros organismos e ministérios encontra-se actualmente em curso”, o gabinete do secretário de Estado garante que a Administração Pública “avalia sempre as opções de software livre, optando pelas soluções com menores custos totais”.

O software livre é um dos temas em discussão nas Primeiras Jornadas Lusófonas de Ciências e Tecnologias de Informação Geográfica, a decorrer entre 11 e 13 de Setembro, na Universidade de Coimbra. O objectivo do encontro é “partilhar experiências e fomentar a construção de pontes lusófonas no âmbito da investigação e ensino das geotecnologias”, onde se incluem as tecnologias geoespaciais.

Notícia actualizada 00h05

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