Tahar Rahim e Viggo Mortensen nos filmes do deserto

Um escapando ao genocídio arménio, mas abandonado no filme. O outro na Argélia da luta anti-colonial, e a fazer corpo com as rochas.

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Loin des Hommes Michaël Crotto
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The Cut
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O realizador de The Cut, Fatih Akin Vanessa Maas
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Hungry Hearts, de Saverio Costanzo
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Viggo Mortensen com o actor francês Reda Kateb em Veneza AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS

Depois de entradas de leão (Head On, Urso de Ouro de Berlim em 2004) e de posteriores sinais de que tudo talvez fosse sobretudo pose de cinema mal comportado, porque a fera afinal era domesticada, Fatih Akin tem mesmo uma saída de cordeiro em The Cut. Que é written, produced and directed por ele próprio, mas é filme em dificuldades para deixar sinais de singularidade no épico e no íntimo, territórios por onde caminha sem fôlego.

A longa viagem de um sobrevivente do genocídio arménio perpetrado pelo Império Otomano (estamos na primeira década do século XX): uma personagem interpretada por Tahar Rahim (O Profeta) vai à procura das duas filhas gémeas desaparecidas, e isso leva-o da Síria ao Dakota do Norte, passando por Cuba.

Mas é um simulacro de odisseia, com os habituais figurantes, cenários construídos, panorâmicas e legendas a assinalar a movimentação da produção. E Tahar Rahim é um actor abandonado a solitária pantomima: a sua personagem não consegue ter voz, não porque antes de metade do filme fica sem poder falar (e quando a recupera já é tarde de mais, ninguém o quer já ouvir...), mas porque The Cut (competição) não consegue encontrar-lhe um lugar. Que é o mesmo que dizer: nunca consegue implicar emocionalmente o espectador na sua odisseia.


Em comparação, acaba por ser mais sedutor o percurso de Viggo Mortensen pelo deserto argelino, nos anos 50, em Loin des Hommes, de David Oelhoffen (concurso). É um filme a dois: a personagem de Viggo, um professor numa remota aldeia argelina, e a do prisioneiro que ele tem de escoltar (em pano de fundo, as turbulências entre colonos e colonizados – esta é uma adaptação de L'Hôte, conto de Albert Camus).

Loin des Hommes desenrola pacientemente a sua reafirmação da convenção. Isso confere-lhe uma aridez que rima de forma sugestiva com a paisagem rochosa – e há algo em Mortensen, a sua impassibilidade, a sua opacidade, que faz parte desse quadro. Na verdade, a neutralidade formal de Loin des Hommes (concurso) pode permitir ao espectador projectar nele os filmes que não estão lá, os filmes que podia ter sido e que nunca consegue ser, como, por exemplo, um western.

Hungry Hearts, de Saverio Costanzo (concurso), começa como uma comédia burlesca (um par, Adam Driver e Alba Rohrwacher, conhecem-se numa casa de banho, onde ambos ficam fechados). É um início enganador face ao que depois vai acontecer e daí talvez não, talvez seja uma cena decisiva e cheia de verdade: a personagem de Alva está obsessivamente com o dedo no nariz, porque Adam evacuou, e essa obsessão dela com a pureza vai revelar-se mais do que desestabilizadora, vai revelar-se patológica, no quotidiano do futuro casal com criança.

Vai ser quase um filme de terror. Essa passagem por géneros, e esta conjugalidade a ser engolida pelo thriller psicológico, é qualquer coisa de irresistível que Saverio Costanzo trabalha com dedicação. Mas revela-se bem mais à altura da ambiguidade do que capaz de lidar, sem se aproximar da paródia involuntária, com a explicitação. São habilidades demasiadamente domésticas para ser um Rosemary’s Baby (ainda que vegetariano).

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