A desorganização do mundo

Bruxelas escolheu um homem do Leste que não gosta de Putin e uma mulher do Sul que gosta

As trincheiras voltaram à Europa. Parece irreal, mas é isso que está a acontecer. Estão a ser construídas a 4000 km de Lisboa. Mas são a 1800 km de Gdansk, a cidade onde nasceu o novo presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que em breve vai preparar e dirigir as cimeiras da União Europeia.

Claro que houve Sarajevo, mas do cerco à cidade guardámos sobretudo as imagens — e o medo — dos snipers. Haverá trincheiras em todas as guerras, mas na Europa, quando pensamos em soldados e civis a escavarem buracos na terra para se defenderem do inimigo pensamos na I Grande Guerra, há cem anos. Não no nosso mundo moderno.

Ontem as agências internacionais mostraram o que se passa numa pequena cidade ucraniana a 20 quilómetros da fronteira russa. Todos temem um ataque das forças rebeldes pró-russas nas próximas horas. Putin, é claro para todos, está a armar, a treinar, a financiar e a enviar homens para os separatistas. Já ninguém acredita que são só voluntários fervorosos.

Foi com estas imagens bem presentes que a União Europeia reuniu ontem durante horas. Esperavam-se decisões firmes de resposta à invasão russa e à sua política de sistemática violação do direito internacional. Os trabalhos prosseguiram noite dentro sem anúncios concretos. Haverá sanções ainda mais pesadas contra Moscovo, mas não se sabe o quê exactamente.

No Reino Unido há quem proponha fechar-se à porta do SWIFT (Society for Wordwide Interbank Financial Telecommunication) à Rússia, o que significa o seu isolamento financeiro. A NATO não vai actuar militarmente fora das suas fronteiras, mas disse que cada país tem a liberdade para o fazer. Durão Barroso disse durante o dia que Putin “não devia subestimar a determinação europeia”, mas Petro Poroshenko parece desesperar. Já fala em “ponto de não retorno”.

As primeiras palavras públicas de Donald Tusk depois do anúncio da sua nomeação foram no sentido do que todos querem ouvir: é possível conciliar disciplina orçamental com crescimento económico. O antigo activista do Solidariedade diz muitas vezes que a União Europeia não foi criada apenas para “os momentos bons” e que a “solidariedade” é a palavra-chave da União. Pragmático, sabe que os 28 países-membros têm posições distintas sobre qual deve ser a resposta a Putin. Sobre a Ucrânia, disse que a UE precisa de uma posição “corajosa, mas não radical” e que o objectivo é a paz. Em Bruxelas, tem sido das vozes mais veementes contra Putin, fazendo enorme pressão tanto no sentido de reforçar as sanções económicas como em pedir que a NATO reforce a sua presença militar na Europa de modo a ajudar a Ucrânia. Mas nos delicados equilíbrios de Bruxelas, foi também escolhida uma mulher do Sul e de esquerda, conhecida por ter ido à Rússia na sua primeira visita oficial. Ontem, percebeu-se que Federica Mogherini ainda acredita na “combinação inteligente” de sanções e diplomacia.

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