Economia ajuda a disfarçar derrapagem na despesa

Governo segura meta do défice e compensa desvio na despesa com o aumento das receitas fiscais e a redução de gastos com subsídio de desemprego.

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Maria Luís Albuquerque, Luís Marques Guedes e Hélder Reis (secretário de Estado do Orçamento), na apresentação do OE rectificativo Enric Vives-Rubio

São 52 páginas de orçamento suplementar, mais 28 de enquadramento técnico e dez mapas orçamentais: a rectificação ao Orçamento do Estado (OE) que esta quinta-feira chegou ao Parlamento lança um conjunto alargado de alterações que tanto mexem no tecto da despesa pública como nas previsões da receita fiscal. Mas, feitas as contas, a balança fica no mesmo ponto. Entre o deve e haver das contas públicas, em nada se altera a meta do défice negociada com a troika para este ano. O objectivo mantém-se nos 4% do PIB.

Se o Governo aumenta o limite da despesa, está a contar ao mesmo tempo com a entrada de mais receitas fiscais nos cofres do Estado e com uma melhoria no saldo da Segurança Social, pela queda na despesa com as prestações de desemprego. E foi neste jogo de equilíbrios que a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, apareceu esta quinta-feira a dar a cara por um orçamento sem novas medidas de consolidação das contas públicas.

Mas nem tudo foram boas notícias. O Governo está a contar com um ligeiro abrandamento da economia este ano em relação ao que projectava. A previsão de crescimento do PIB foi revista em baixa para 1%, quando o ritmo previsto era de 1,2%. Neste cenário, as exportações vão crescer 4,1%, abaixo do projectado, e as importações aceleram, aumentando 4,5%. O andamento mais fraco da economia foi justificado, em parte pela ministra das Finanças com o facto de a economia do euro estar a “dar alguns sinais de abrandamento”. E neste quadro, admitiu Maria Luís Albuquerque, há ainda algum grau de incerteza em torno das actuais projecções.

Em relação a 2015, o Governo não alterou as previsões, o que só deverá acontecer quando em Outubro for apresentado o próximo orçamento. “Uma vez que se alteram as previsões em termos de enquadramento externo e se alteram as próprias previsões de 2014, que são o ponto de partida [para o próximo ano], seguramente [o cenário de 2015] não deverá ficar na mesma.” O executivo prevê um crescimento de 1,5%. Já quanto ao desemprego, o executivo reviu em baixa a projecção, passando-a de 15,4% para 14,2%.

Ainda que a meta do défice não esteja em causa, como reforçou ontem a ministra das Finanças, o esforço da redução do défice estrutural (o saldo orçamental ajustado do ciclo económico e sem contar com o efeito das medidas extraordinárias) vai ser ligeiramente menor do que o previsto. A variação do saldo estrutural foi revista em baixa, para 0,5 pontos percentuais, metade do esforço previsto em relação à primeira proposta de orçamento. Para os países que têm uma dívida pública superior a 60% do PIB (caso de Portugal), o objectivo de médio prazo do défice estrutural é de 0,5%. E também esta meta não é posta em causa, garantiu a ministra. A correcção “cumpre o exigido pelo tratado orçamental”, frisou.

Almofada de 412 milhões
Para evitar eventuais percalços no caminho da execução orçamental que falta percorrer, o Ministério das Finanças guardou uma almofada de 412 milhões de dotação provisional. Mas “folga orçamental” não é, para Maria Luís Albuquerque, uma expressão que se possa usar para falar do resultado deste orçamento rectificativo. Questionada ontem em conferência de imprensa sobre a existência de uma folga nas contas públicas, uma vez que o desvio na despesa pública não implica novas medidas de consolidação, a ministra respondeu: “Num contexto de tão grande incerteza em que somos acusados de fazer tantos rectificativos e de mudar tanta coisa, falar-se de folgas parece-me uma contradição tão evidente que me provoca sempre um sorriso quando a pergunta vem.” E lembrou o facto de o défice previsto ser de 4% do PIB para insistir: “Qualquer conceito de folga é francamente estranho.”

O que o orçamento rectificativo vem fazer é manter um controlo sobre a despesa dos ministérios. “Mantemos uma dotação provisional elevada face ao remanescente do ano, precisamente para manter um controlo adequado relativamente à execução orçamental [até ao fim de 2014]”. A ministra disse ainda esperar que não seja necessário um terceiro orçamento rectificativo, mas não se comprometeu, ressalvando que tudo dependerá da evolução da situação. “Mantém-se a dificuldade de adivinhar o futuro.”

Um factor negativo reconhecido pela ministra foi a execução orçamental das autarquias, que, segundo as contas do Governo, terá um excedente inferior em 300 milhões face ao previsto.

Certo é que a arrecadação da receita com os impostos está acima do esperado. E foi isso que levou a uma revisão em alta das previsões da receita fiscal. O Estado arrecadou 36.272,9 milhões em impostos em 2013 e, este ano, o Governo prevê encaixar mais 708,9 milhões, à conta sobretudo do crescimento da receita do IRS e do IVA.

Ao todo, o Governo está a contar com um encaixe de 36.981,8 milhões. O montante representa um crescimento de 2% em relação ao valor arrecadado em 2013. O valor compara com um ano em que a execução orçamental contou com o encaixe extraordinário conseguido através do perdão fiscal lançado na recta final do ano passado. E se desta comparação for retirado o perdão de dívidas ao Fisco, a receita cresce 5%, uma diferença que chega já aos 1753,9 milhões.

Face a 2013, há um acréscimo de receita do IRS e do IVA na ordem dos mil milhões de euros. No relatório do OE rectificativo, o Governo atribui esta evolução à “melhoria das condições do mercado de trabalho” e o seu impacto no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, à “recuperação da actividade económica” e à “crescente eficácia das novas medidas de combate à fraude fiscal e à economia paralela”. O Governo prevê que sejam arrecadados 12.741,9 milhões de IRS, mais 430,4 milhões do que em 2013, enquanto no IVA a cobrança esperada é de 13.889,6 milhões, um crescimento de 640,5 milhões. No entanto, como a cobrança do IRC e do Imposto do Selo diminui, a diferença entre a receita fiscal total anda na ordem dos 700 milhões.

A variação é maior se a comparação for feita em relação ao objectivo inscrito na proposta de Orçamento do Estado para 2014, apresentada em Outubro, antes de ser lançado o programa de regularização de dívidas fiscais que acabou por impulsionar a receita de 2013. Neste caso, porque a projecção inicial do executivo era de um encaixe de 35.820,7 milhões, o aumento implícito da receita é superior a mil milhões de euros.

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