Hospitais privados crescem e já têm mais de um quarto do total de camas

Os hospitais privados multiplicaram-se nos últimos anos e hoje já são responsáveis por 28% das consultas externas e 12% das urgências. Este ano, apesar da crise, estão a crescer mais do que é habitual.

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Carlos Lopes/Arquivo

Ao longo dos últimos anos, os hospitais privados têm vindo gradualmente a ganhar dimensão e peso em Portugal. Este ano, as unidades de saúde privadas estão mesmo a crescer a um ritmo superior ao habitual, “entre 15 a 20%”, revela o presidente da Associação Portuguesa da Hospitalização Privada (APHP), Artur Osório. Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2012 tinham quase 10 mil camas, uma oferta que corresponde a mais de um quarto da disponibilidade de internamento hospitalar do país.

Com mais de 25 mil colaboradores, as 105 unidades de saúde privadas são responsáveis, anualmente, por 5,5 milhões de consultas e 160 mil cirurgias, segundo os dados fornecidos ao PÚBLICO pela associação. Entre os seus clientes potenciais destacam-se os “2,5 milhões” de cidadãos que dispõem de seguros de saúde ou de subsistemas como o dos funcionários públicos, a ADSE. Só este último subsistema é responsável por 240 milhões da facturação, por ano.

“A hospitalização privada está em expansão e está a bater todos os recordes”, ascendendo agora a facturação global a  cerca de 1500 milhões de euros, reforça Artur Osório. Como se explica este aumento substancial numa altura de crise? “O serviço público está a ser afectado pela efeverescência e pela ebulição causada pelo litígio entre médicos, enfermeiros” e a tutela, justifica o presidente da APHP, que volta a defender que é “urgente reformar todo o sistema público”.

Quanto às parcerias público-privadas (PPP), Artur Osório assevera que, depois de um arranque que correu menos bem, hoje todas “estão a dar lucro”, tanto as do grupo José de Mello, como as do grupo Espírito Santo, que estão agora em negociação com o grupo mexicano Angeles, e ainda dos antigos HPP, agora grupo Lusíadas Saúde. Os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) geridos em PPP, como o de Braga, o de Cascais, o de Loures e o de Vila Franca de Xira (que, em conjunto, têm mais de 1600 camas) “são 25% mais baratos” do que as unidades convencionais do SNS,  como “está expresso nos relatórios da Administração central do Sistema de Saúde”,  afirma Osório.

Quanto à eventual transferência do Hospital de Loures (da Espírito Santo Saúde) para estrangeiros, no âmbito da oferta de aquisição pelo grupo mexicano Angeles, tal operação não lhe suscita “quaisquer dúvidas”. Um processo semelhante aconteceu já quando o Hospital de Cascais (também PPP) foi comprado pelo grupo brasileiro Amil, lembra, sublinhando que "o Ministério da Saúde tem uma ferramenta informática que permite auditar com muito rigor” estas situações.

“O grupo Angeles tem prestígio e a experiência de quem gere unidades de grande dimensão”, recorda o presidente da APHP. Mas não tem experiência em PPP, como lembra o especialista em economia da saúde Pedro Pita Barros, no seu blogue “Momentos económicos…e não só”. “A prazo, a entrada do grupo Angeles trará pressão adicional sobre os outros operadores privados, dado que o espaço disponível para o crescimento fora do SNS é limitado”, reflecte o especialista, para acrescentar que será “interessante saber se a experiência de turismo de saúde que o grupo mexicano aparenta ter face ao mercado americano poderá ser transposta para o mercado europeu".

Quanto ao hospital de Cascais, depois de um início conturbado, a experiência estará agora “a correr muito bem, teve um EBITDA [lucro operacional] positivo e tanto os doentes como a autarquia estão globalmente satisfeitos”, afirma Artur Osório.

Marta Temido, presidente da Associação Portuguesa da Administração Hospitalar, nota que do Hospital de Loures para o grupo mexicano “ainda está nas mãos do Estado que, se não quiser autorizar, não autoriza”. “Não me repugna que seja uma entidade estrangeira [a gerir um hospital do SNS]. Não tenho nada contra, desde que as cláusulas do contrato e os compromissos sejam cumpridos, para isso existe um gestor do contrato que representa o Estado”, afirma a administradora, frisando que o mesmo está a ser feito por portugueses, como o CHUC (Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra) que  “já se candidatou à gestão de um hospital na Argélia”.

Em Abril, num balanço sobre o período 2002 a 2012, a partir de um inquérito aos hospitais, o INE concluia já que, numa década, as unidades oficiais (públicas, incluindo as militares e prisionais) tinham perdido cerca de três mil camas, enquanto as privadas passaram a ter mais 1400 camas.

Em 2012, os hospitais privados asseguravam já mais de um quarto (28%) das consultas externas e quase 12% das urgências a nível nacional. Nesta espécie de retrato da evolução do sector, o INE constatava que o número de hospitais privados tinha crescido neste período (de 94 para 104), enquanto os hospitais tutelados pelo Estado se mantiveram. O crescimento do sector privado ficou a dever-se basicamente à abertura de hospitais de grande dimensão, pertencentes aos maiores grupos económicos.

Nos serviços de urgência, o número de atendimentos manteve-se relativamente estável no sector público até 2010, mas diminuiu, em 2011 e 2012,  4,8%, para voltar a aumentar em 2013. No sector privado, a expansão foi impressionante: em dez anos, os atendimentos em urgência praticamente duplicaram, passando de 420 mil, em 2002, para mais de 800 mil, em 2012. Mas o dado mais surpreendente revelado no retrato do INE foi o da diminuição abrupta no total de análises clínicas e exames (os chamados actos complementares de diagnóstico e terapêutica) registada nos hospitais públicos entre 2010 e 2012, menos cerca de 44 milhões de, uma quebra da ordem dos 27%. Em simultâneo, as unidades privadas aumentaram substancialmente a sua actividade nestas duas áreas.

Os números do sector privado já começam a “ser muito significativos”, reage Marta Temido. O que preocupa sobremaneira a administradora hospitalar é o facto de os jovens médicos especialistas rescindirem contratos com os hospitais públicos e optarem por ficar apenas no privado. É, diz, “um sinal de que o sector privado está florescente” e é um facto que a preocupa “pela descapitalização e a saída de profissionais que estão na força da vida”.

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