Protestos revelam uma divisão geracional na luta pelos direitos cívicos

Os líderes políticos da comunidade afro-americana não dizem nada aos mais jovens.

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“Os motins são a língua dos que não têm voz” e são oprimidos,disse Martin Luther King. Scott Olson/AFP

A crise racial em Ferguson, Missouri, revelou uma divisão na comunidade negra, que tem uma base geracional, de classe e da falta de visão política oferecida pela política afro-americana da era de Obama.

Quando perguntaram a um jovem de St. Louis quem era o líder dos protestos que não pararam desde a morte de Michael Brown – que levaram o governador do Missouri a declarar o estado de emergência e o recolher obrigatório – ele apenas respondeu: “Temos um líder? Não.” E a seguir sugeriu que o martirizado Brown talvez fosse o melhor exemplo de liderança para os jovens zangados e alienados de Ferguson.

Os protestos têm decorrido em duas vias separadas. Por um lado, líderes dos direitos cívicos organizaram marchas não violentas. Por outro, jovens manifestantes, e alguns desordeiros, tiveram acções violentas e saquearam outras zonas da cidade.

Líderes como Jesse Jackson e Al Sharpton estiveram em Ferguson, mas os seus apelos à calma não foram eficazes. Ironicamente, o negro que teve uma liderança mais visível nesta crise foi o capitão da polícia estadual de trânsito Ron Johnson, cujas presença forte, mas sensível, tem ajudado a desarmadilhar a situação.

Não devia ser surpreendente que os jovens de Ferguson recusassem os apelos à não-violência. Na era da luta pelos direitos cívicos, houve incidentes violentos esporádicos em que se envolveram jovens negros americanos, indignados com o racismo e a pobreza, que não conseguiam ou não queriam comprometer-se com a disciplina da não-violência. Martin Luther King enfrentou estes episódios em Birmingham e Memphis e foi assobiado quando visitou Watts, após a rebelião desta cidade, em 1965.

O que torna a situação de Ferguson diferente do que se passava nos anos 1960 é que não existe nenhum Stokely Carmichael nem Panteras Negras para conseguir chegar até aos jovens. Estes usaram a linguagem da violência para expressar a raiva e a decepção.

Não se enganem: o homicídio de Brown não é a verdadeira origem da violência em Ferguson, mas antes a faísca que a ateou. A pobreza, a segregação, o desemprego e um clima de racismo anti-negros assombram esta pequena cidade nos subúrbios de Saint Louis. “Os motins são a língua dos que não têm voz” e são oprimidos, lembrou-nos King.

Por isso, não é surpreendente que os jovens negros de Ferguson não consigam identificar um líder.

Os líderes políticos negros nacionais da era da luta pelos direitos cívicos têm tentado manter a ligação com as gerações mais novas, mas esbarram nas limitações de recursos e nas capacidades de chegar às classes mais desprivilegiadas.

Esta fronteira é geracional, à primeira vista, mas também tem a ver com a classe social. O mundo de milhões de jovens negros americanos, que não têm grande acesso à educação, é bastante simples e acaba sempre em desvantagem para eles: os negros levam tiros na rua, e não podem ter qualquer esperança de obter justiça.

Na era de Obama, estes jovens acham as lições do tempo da luta pelos direitos cívicos cada vez mais difíceis de entender. A frequência com que a polícia mata homens negros, a presença policia militarizada, inspirada nos modelos desenvolvidos por causa da guerra no Iraque, e a persistência até a exaustão da segregação racial tornam vazio qualquer discurso sobre progresso em questões raciais.

Tudo isto deixa os líderes dos direitos civis em apuros. Não querem criticar demasiado o que tem feito o Presidente Barack Obama sobre as questões raciais e de pobreza, sabem que o Procurador-Geral Eric Holder é um aliado. Mas, e isto é o mais importante, aqueles por quem dizem falar – a juventude negra que saiu para as ruas de Ferguson na última semana – acham as vozes destes líderes indistinguíveis do barulho produzido pelos políticos brancos, que só a violência sem restrições consegue fazer parar.
 

Historiador, Universidade de Tufts

Exclusivo PÚBLICO/The Washigton Post

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