O dia que começou com cessar-fogo acabou com dezenas de mortos em Gaza

Trégua acabou pouco depois de ter começado. Israel afirma que Hamas terá capturado um soldado seu. Hamas classifica bombardeamentos que se seguiram como “massacre de Rafah”.

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Zona que, segundo testemunhas, foi esta sexta-feira bombardeada por Israel Suhaib Salem/Reuters

À hora a que a trégua se iniciou, as ruas de Gaza começaram a encher-se de famílias palestinianas. Carregadas com pertences, voltavam às suas casas, ou ao que delas resta. Em Israel, as sirenes estavam em silêncio. Mas o cenário, descrito pela Reuters, rapidamente mudou. Um confronto entre soldados de Israel e militantes do Hamas, na manhã desta sexta-feira, e os bombardeamentos israelitas que se seguiram, acrescentaram dezenas de mortos à lista de vítimas.

O Exército de Israel acusa o movimento islamista de, hora e meia após o início do cessar-fogo, ter atacado soldados que estavam à procura de túneis usados pelo Hamas, perto de Rafah, no Sul de Gaza. Um porta-voz, tenente-coronel Peter Lerner, disse que foram mortos dois militares e que um terceiro terá sido capturado – o segundo-tenente Hadar Goldin, de 23 anos. “Sim, continuamos as nossas actividades no terreno”, disse, citado pela Reuters, quando lhe perguntaram se a trégua tinha acabado.

O cessar-fogo anunciado na quinta à noite não implicou a retirada de soldados israelitas de Gaza e o Governo de Benjamin Netanyahu tem insistido na intenção de destruir os túneis, que afirma serem usados pelo Hamas para infiltrar combatentes no seu território.

Após o confronto, em que terá sido capturado o soldado, Israel fez bombardeamentos na área de Rafah que, segundo informações prestadas à AFP pelos serviços de saúde de Gaza, causaram a morte de pelo menos 62 pessoas e ferimentos em cerca de 350 – na versão da Reuters os mortos são pelo menos 50 e os feridos cerca de 220. O Hamas denunciou o que chama “massacre de Rafah”. Quatro outros palestinianos foram mortos mais a norte em Khan Younis.

O número de palestinianos mortos nos ataques das últimas semanas em Gaza, civis na sua maioria, ronda agora os 1500. Os feridos são quase sete mil. Do lado israelita contam-se 63 soldados e três civis mortos e mais de 400  feridos.

Fontes médicas da Cisjordânia disseram que forças israelitas mataram também esta sexta-feira dois palestinianos em confrontos. Em Israel, sobre o qual nas horas seguintes foram disparados pelo menos oito rockets, as sirenes voltaram a tocar.

“Uma vez mais, as organizações terroristas de Gaza cometem uma violação flagrante do cessar-fogo a que se tinham comprometido”, declarou o gabinete de Netanyahu.

Citado pela Reuters, um porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, acusou Israel de estar a tentar enganar o mundo e a “encobrir o massacre de Rafah”. O número dois da organização, Moussa Abu Marzuk, disse à AFP, no Cairo, que “qualquer operação [que o Hamas tenha feito] ocorreu antes do início do cessar-fogo”.

Kerry pede ajuda

A organização palestiniana não confirmou a captura do soldado israelita, mas os apelos à libertação não se fizerem esperar. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, exigiu que fosse entregue “sem condições” e expressou preocupação pelo recomeço dos ataques de Israel a Gaza. Pôs também em causa "a credibilidade das garantias dadas pelo Hamas" às Nações Unidas.

O secretário de Estados dos EUA, John Kerry, disse ter pedido ao Qatar e à Turquia para ajudarem à libertação. O Presidente, Barack Obama, disse que se o Hamas está seriamente empenhado em resolver a crise de Gaza deve libertar o militar.

Um soldado israelita capturado em 2006, Gilad Shalit, foi mantido em cativeiro durante cinco anos até ser libertado em Novembro de 2011, quando foi trocado por um milhar de militantes palestinianos.

Comentando as informações de que o ataque partiu do Hamas, o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, disse que “isso seria uma violação bastante bárbara” do acordo de cessar-fogo. O rei saudita Abdullah criticou o que considera a indiferença internacional face às acções israelitas em Gaza, que descreve como “crimes de guerra contra a humanidade”.

A quebra do cessar-fogo levou ao adiamento, se não à anulação, de um encontro negocial previsto para o Cairo, em princípio com mediação norte-americana. Responsáveis egípcios informaram que as conversações foram adiadas. Mas disseram à Reuters que o convite se mantém e que responsáveis palestinianos pediram um adiamento, na esperança de ser conseguido um novo cessar-fogo.

Já depois da quebrada a trégua, o presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, líder da Fatah, que governa a Cisjordânia, disse que uma missão palestiniana irá este sábado ao Egipto. A delegação seria formada por elementos da Fatah, do Hamas e da Jihad Islâmica. Faltaria esclarecer como seria contornado o facto de à mesma mesa terem de se sentar representantes do Hamas e dirigentes de Israel e dos Estados Unidos, países que o consideram organização terrorista.

Ao comentar o efémero acordo de sexta-feira, John Kerry, citado pela Reuters, sublinhou a necessidade de garantir a “paz e segurança” de Israel e o direito dos palestinianos a “educar os seus filhos, a deslocarem-se livremente, a fazer parte do resto do mundo e a terem uma existência diferente da vida de sofrimento que há muito têm”. Esse tempo ainda não começou.

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