Gestão do BES, Banco de Portugal e Governo estudam apoio estatal

Há várias soluções que o Estado pode seguir para ajudar o BES a sair do impasse: emissão de uma garantia do Estado, transferência de activos tóxicos para a esfera pública ou uma recapitalização.

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Analistas estimam as necessidades de financiamento do BES entre 4 e 3 mil milhões de euros Paulo Ricca/PÚBLICO

Perante a declaração histórica dos maiores prejuízos [apesar de semestrais] de sempre da economia portuguesa, de quase 3,6 mil milhões de euros, o Estado prepara-se para ter um papel decisivo na resolução do dossier BES, no contexto da União Bancária europeia.

Com os analistas a estimarem as necessidades de financiamento do BES entre 3000 e 4000 milhões de euros (mais de metade do seu capital), as cotações a caírem a pique e os clientes do banco a darem sinais de inquietação, aumenta a pressão para que a gestão encontre um desfecho rápido para estabilizar o banco.

O acerto final das contas referentes à actividade semestral do BES traduziu-se num prejuízo de 3577 milhões e no registo de imparidade e contingências de 4253 milhões de euros, o que levou o Banco de Portugal a neutralizar os interesses da família Espírito Santo no banco. Os valores são expressivos e atiraram o rácio de capital Core Tier 1 para 5%, abaixo dos 7% recomendados, o que impede o BES  de passar no exame dos testes de stress europeus.

Foi, aliás, esta situação que levou Vitor Bento, depois da apresentação das contas semestrais na quarta-feira, a anunciar que encomendou o novo plano de recapitalização ao Deutsche Bank, mas não informou se será por via pública, privada ou mista. O tema esteve no centro do debate nesta quinta-feira. A agência Bloomberg considerou que “o BES poderá precisar de fazer um aumento de capital até quatro mil milhões de euros” e o BPI menciona um valor entre 3 e 4 mil milhões de euros.

A hipótese de o Estado apoiar o BES já foi afastada por Pedro Passos Coelho e por Maria Luís Albuquerque, que poderão ser forçados a rever as suas declarações. O primeiro sinal surgiu nesta quinta-feira pela voz de Luís Marques Guedes, que admitiu potenciais “impactos para a economia” se a crise no Grupo Espírito Santo (GES) se acentuar. O ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares não descartou uma participação do Estado na recapitalização do banco, mas defendeu que “a primeira linha” de salvamento do BES “deve passar necessariamente primeiro pelo mercado, pelos accionistas privados”.

Uma posição alinhada com Carlos Costa, governador do Banco de Portugal,  que já disse que recebeu manifestações de interesse por parte de privados, o que também afirmou o presidente executivo Vítor Bento. Um dos investidores que contactou as autoridades foi um fundo que esteve activo na resolução da crise da banca grega. Por seu turno, o Bradesco, accionista de referência do BES, avisou que não acompanhará o aumento de capital projectado.

A questão é saber se, sem o Estado a dar um sinal inequívoco de que intervém no banco, os privados aceitam “meter-se” na instituição, pois a tendência é para contornar os riscos. E são várias as questões ainda sem resposta: Qual é a verdadeira situação do BES? Quem manda? Quem são os reais detentores do capital (há posições a garantir dívida)? Qual a extensão das ilicitudes (nos primeiros seis meses do ano, o BES criou veículos especiais para  investirem em dívida emitida pelo próprio banco)? Qual a natureza das potenciais litigâncias jurídicas e policiais? Que garantias há de que as contas do próximo trimestre não trarão surpresas?

E há ainda o tema da exposição da instituição ao GES, que se tornou incontornável, pois os problemas da esfera familiar têm acabado a desaguar no BES, o que levou às sucessivas emendas das contas.

Os desafios que as autoridades têm pela frente impõem, portanto, decisões não precipitadas, mas rápidas, para travar eventuais ondas de choque resultantes de novas revelações. E impedir que a “insegurança” sobre a boa saúde do banco continue a contaminar a confiança dos clientes.

Daí que, conforme apurou o PÚBLICO, as autoridades estejam articuladas (BdP, Governo, Europa e gestão do BES) a estudar (pela primeira vez) como é que, dentro do novo quadro jurídico criado pela União Bancária, o Estado pode intervir no BES. Há várias soluções (ou uma mistura delas): emissão de uma garantia pública, apoio formal à nova gestão (Vitor Bento não foi indicado pelo Estado, mas pelos accionistas e 20% do capital, detido pela família Espírito Santo, já perdeu o poder de voto), separação dos activos tóxicos para serem geridos na esfera pública e venda da parte rentável, e ainda a injecção de fundos estatais ou a recapitalização pela linha criada pela troika, ainda em vigor.

Ao contrário de 2008, quando o BPN foi nacionalizado, em que não existia um quadro jurídico e o Estado se responsabilizou pelas perdas, hoje há instrumentos que impedem que sejam os contribuintes a assumir os prejuízos resultantes de erros de gestores imprudentes e pouco sérios. E as consequências de uma intervenção estatal no BES são “fortes” e imediatas: os accionistas “perdem” o que investiram, bem como os detentores de dívida subordinada. Se, por hipótese (o que não é provável), o Estado subscrevesse um aumento de capital de 3 mil milhões de euros, ficaria com 70% do BES. O mesmo se passará se fossem privados.

Uma das vias que tem sido, aliás, sugerida por Carlos Costa é a do recurso aos 6 mil milhões de euros do fundo estatal de recapitalização. Mas já não será nos mesmos moldes “suaves” que beneficiaram o BCP, o BPI e o Banif, dado que as regras (do regime de transição) que decorrem da entrada em vigor da União Bancária são agora mais severas. O governador do BdP garantiu já que a solvabilidade do BES não está em causa.    

Por enquanto, o problema parece estar circunscrito ao segundo maior banco privado que voltou nesta quinta-feira a sofrer na bolsa portuguesa, com os investidores a reflectirem os receios em torno de novo reforço de capital. Mas o dia foi sobretudo negro para os subscritores (muitos clientes de retalho) do último aumento de capital de Maio (reforço de 1,04 mil milhões) colocado a 65 cêntimos e que assistiram à queda a pique da cotação (42,07%) que fechou a 0,201 euros (e esteve durante a manhã 0,16 euros). Já os restantes bancos encerraram com quedas menos fortes: BCP (4,37%), BPI (0,99%), Banif (3,23%).

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