Resultados da auditoria às contas de Braga colocam autarquia em risco de resgate

Passivo está acima dos 250 milhões de euros, segundo relatório encomendado a empresa externa. Ex-autarca Mesquita Machado diz que o documento foi feito “à medida”.

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A Câmara de Braga é liderada há 37 anos por Mesquita Machado, que deixa o cargo este ano NELSON GARRIDO

O passivo real da câmara de Braga no final do último mandato autárquico era quase o dobro daquilo que aparecia registado na contabilidade do município. A conclusão é de uma auditoria encomendada a uma empresa externa, apresentada esta terça-feira, e que estima em mais de 250 milhões de euros esse valor. O presidente da câmara diz que essa realidade coloca o município perto de ultrapassar o limite legal ao endividamento e pode ter que recorrer ao fundo de resgate às autarquias para resolver a situação.

O relatório da Pricewaterhousecoopers reporta-se a 31 de Outubro do ano passado, data do final do último mandato dos dez de Mesquita Machado à frente da câmara. Os registos contabilísticos do município apontavam para um passivo que ficava um pouco abaixo dos 140 milhões de euros. Todavia, a análise da auditoria coloca o passivo efectivo nessa data acima dos 250 milhões de euros. Para este valor contribuíram facturas não registadas entretanto confirmadas pelos fornecedores (1,5 milhões de euros), contratos de empreitada já realizados (2,3 milhões) e a cobertura de prejuízo de empresas municipais (2,8 milhões).

O presidente da câmara, Ricardo Rio, entende que os números conhecidos apontam para um “contexto de descalabro financeiro” e para a existência de uma dívida “desmesurada” do município que o colocam em “sérios riscos de ter de ser intervencionado por via do endividamento”. O autarca abriu a porta à possibilidade de Braga recorrer ao fundo de resgate para as autarquias, já que o limite máximo de endividamento que o município pode ter por via da Lei das Finanças Locais não vai além dos 111 milhões de euros. “Estamos a pisar o risco vermelho”, ilustra.

O passivo apurado pela auditoria é sobretudo inflacionado pela contabilização dos valores correspondentes ao contrato de locação financeira com a SGEB, a empresa constituída no âmbito da parceria público-privada lançada pela autarquia para construir um conjunto de investimentos, sobretudo equipamentos desportivos. A auditora estima que tenha um impacto de quase 104 milhões de euros nas contas municipais, o que vai obrigar a autarquia a tomar medidas extraordinárias.

Nos mais de 250 milhões de euros de passivo apurado não estão contabilizados os impactos que possam advir dos processos judiciais em curso, cujas responsabilidades que podem ser cometidas ao município ultrapassam os 20 milhões de euros. Entre estes, destacam-se os honorários reclamados pelo arquitecto do estádio municipal, construído para o Euro 2004, Eduardo Souto Moura, relativos a trabalhos a mais, totalizando 2,6 milhões de euros.

A auditoria pedida pela autarquia estendeu-se também a todas as empresas municipais e sociedades participadas pela autarquia onde o “cenário negro e dantesco se agrava”, diz Ricardo Rio. Por exemplo, no caso dos Transportes Urbanos de Braga foram detectados pagamentos em falta à ADSE no valor de 800 mil euros, que se arrastam desde 2003. A Fundação Bracara Augusta deixa um passivo de mais de 300 mil euros da organização da Capital Europeia da Juventude de 2012.

O relatório da auditoria – que estará disponível online, podendo ser consultado por qualquer cidadão – será também enviado ao governo, Inspecção-Geral de Finanças e Tribunal de Contas. A autarquia vai ainda remetê-lo ao Ministério Público (MP), até porque o autarca Ricardo Rio diz que algumas práticas encontradas constituem “formas criminosas de gestão dos recursos públicos”.

“Se calhar vai ser o MP a desmontar esta pouca vergonha”, respondeu, pouco depois, o ex-presidente de Câmara de Braga, Mesquita Machado, numa conferência de imprensa marcada para reagir à apresentação da auditoria encomendada pelo seu sucessor. O histórico socialista, que liderou os destinos de Braga durante 37 anos, acusa o relatório de auditoria de ser um “fato à medida” que não encontrou “nenhuma dívida escondida”.

Mesquita diz que todos os documentos a que se refere o resumo das responsabilidades omissas elencadas no relatório estavam lançados na contabilidade e acusa ainda o actual executivo de estar a “confundir dívidas com passivo” quando refere a possibilidade de recurso ao fundo de resgate das autarquias. O histórico socialista defende que o passivo real do município era aquele que estava reflectido nos últimos documentos de gestão que fez aprovar – 68 milhões de euros – e lembra que, nos últimos quatro anos, o seu executivo reduziu a dívida em 25%. “Estávamos a pagar a 29 dias, o que é sinal de saúde financeira”, sustenta.

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