Procuradores acusam deputados de violar Constituição com lei que ameaça investigação criminal

Magistrados dirigem abaixo-assinado à procuradora-geral da República e ao provedor de Justiça por causa de desigualdades salariais criadas por norma do novo mapa judiciário.

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Joana Marques Vidal, na cerimónia da tomada de posse em Outubro de 2012 Miguel Manso

Os procuradores que contestam uma norma do mapa judiciário que dizem ir fragilizar a investigação dos crimes de colarinho branco acusam os deputados responsáveis pela alteração legal de terem violado a Constituição. A polémica norma teria de ter sido discutida com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público – até porque estabelece salários diferenciados para magistrados com funções idênticas.

A norma foi “introduzida durante os trabalhos parlamentares de discussão da proposta de lei sem que sobre ela fosse ouvido o sindicato em violação da Constituição”, dizem os procuradores num abaixo-assinado endereçado à procuradora-geral da República e ao provedor de Justiça.

Noticiada esta terça-feira pelo jornal i, a desigualdade salarial é também contestada pelo SMMP. O seu presidente, Rui Cardoso, pensa, porém, não ter sido intencional: “A norma foi introduzida nos trabalhos parlamentares” de discussão da proposta do mapa judiciário, “e esqueceram-se dos DIAP”, explica.

Para a directora do Departamento de Investigação e Acção Penal, Maria José Morgado, a alteração pode ter como consequência o afastamento dos melhores investigadores da criminalidade económico-financeira, uma vez que ficam a ganhar menos que os seus colegas que representam o Estado em tribunal.

Os magistrados de Lisboa e de Coimbra que subscrevem o abaixo-assinado defendem a inconstitucionalidade da norma que vai fazer com que um procurador-adjunto colocado nos Departamentos de Investigação e Acção Penal possa auferir até cerca de menos de 400 euros líquidos do que os seus colegas que trabalham nos tribunais - desde logo por causa do princípio que estabelece salário igual para trabalho igual.

“Um procurador-adjunto que no DIAP investiga e acusa uma rede internacional de tráfico de pessoas, com a constituição de equipas conjuntas de procuradores formadas no seio da União Europeia, ou um crime financeiro complexo com branqueamento em praças offshore, poderá ver a sua remuneração tabelada pelo índice 135, enquanto um colega com a mesma categoria profissional, menos antiguidade que intervenha em julgamentos de (…) pequena criminalidade auferirá pelo índice 175”, exemplificam.

Na sua crónica no Expresso, Maria José Morgado também já se tinha mostrado muito crítica relativamente à questão: “Regrediremos aos anos 80 dos tribunais especializados na dura condenação do Zé-dos-Anzóis. Oficialmente anunciar-se-á a baixa do crime grave, organizado e da corrupção. Na prática, ninguém conseguirá ou desejará investigar a grande corrupção, o crime económico-financeiro”. E acrescentava: “Para sossego de muito boa gente”.

Também o Conselho Superior do Ministério Público manifestou já por três vezes a sua preocupação. “Existe o perigo de se criar uma clamorosa desigualdade de tratamento”, fizeram notar os seus membros, que alertaram já a ministra da Justiça para os “gravosos efeitos” de uma medida deste tipo.

“Esta é uma questão que preocupa a Procuradoria-Geral da República”, diz também uma porta-voz de Joana Marques Vidal, acrescentando que a constitucionalidade da polémica norma está a ser analisada por este organismo.

Já o Ministério da Justiça diz ter encetado diligências com vista à “resolução da questão no mais breve prazo” possível, embora o problema apenas lhe tenha sido “reportado recentemente pelo Conselho Superior do Ministério Público”. A tutela não apresenta, porém, prazos: apenas refere que quer resolver as desigualdades salariais “antes da revisão do Estatuto do Ministério Público”.

De acordo com informações do Ministério da Justiça, registaram-se, de facto, recentemente “muitas saídas do DIAP”, mas “devido às promoções a procurador da República, mais de 140 no país, quando geralmente não passavam de 40 em cada ano”. Quem se foi embora transitou “para os lugares das secções especializadas dos tribunais e do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, com índice 220”, resultado “do investimento inédito na especialização, que beneficiará a justiça e os cidadãos mais do que os próprios magistrados”.

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