Desde 1974, só três países conseguiram os excedentes que Portugal quer atingir

Estudo diz que conseguir excedentes orçamentais elevados e persistentes é um caso “excepcional”. Um dos autores, o economista norte-americano Barry Eichengreen, defende que Portugal não reúne as condições para o fazer.

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Barry Eichengreen, um dos autores do estudo, mostra-se pessimista em relação ao cumprimento das metas por parte de Portugal Rui Gaudêncio

Conseguir excedentes orçamentais elevados durante pelo menos uma década, tal como é exigido a Portugal para garantir a sustentabilidade da sua dívida, é uma tarefa que apenas foi cumprida no passado em casos “excepcionais”, defende um estudo publicado por dois economistas, que não encontram nos dados históricos analisados mais do que três exemplos de países bem-sucedidos neste tipo de esforço.

O estudo – intitulado “A Surplus of Ambition: Can Europe Rely on Large Primary Surpluses to Solve its Debt Problem?” – tenta perceber, olhando para as séries históricas dos países classificados como avançados e emergentes, com que frequência conseguiram gerar excedentes orçamentais primários significativos e em que condições é que o fizeram, nas situações em que precisaram de consolidar as suas contas públicas.

O objectivo dos autores – o economista norte-americano Barry Eichengreen e o italiano Ugo Panizza – está relacionado com a estratégia delineada pelos líderes europeus para resolver o problema da dívida pública na zona euro e que passa pela obtenção, durante os próximos anos, de excedentes orçamentais significativos por parte da generalidade dos países e, em especial, pelos países onde a crise foi mais intensa.

É este o caso de Portugal. De acordo com o estudo, o país precisa de registar um excedente orçamental primário (não incluindo os juros) médio de 5,9% do PIB durante os dez anos que decorrem entre 2020 e 2030, para atingir neste último ano uma situação de sustentabilidade da dívida pública.

Olhando para os dados de 54 países avançados e emergentes durante o período de 1974 a 2013, os autores tentam encontrar períodos suficientemente longos de consolidação orçamental em que uma nação tenha conseguido apresentar um excedente primário médio superior a 3%, 4% ou 5%. A conclusão a que chegam é que, olhando para períodos de pelo menos dez anos, há 12 episódios de países que registaram excedentes superiores a 3%. Acima de 4%, já só se encontram cinco países. E acima de 5%, aquilo que é agora pedido a Portugal, apenas resistem três: a Bélgica em 1995, a Noruega em 1999 e Singapura em 1990.

Os autores concluem que conseguir consolidações orçamentais tão acentuadas durante períodos de tempo tão longos é um feito que, “embora não seja desconhecido, é excepcional”. E assinalam que os três casos em que ocorreram excedentes superiores a 5% durante dez anos “são especiais”. “São económica e politicamente idiossincráticos, no sentido em que não são explicados pelas correlações económicas e políticas usuais”.

Poucas probabilidades de sucesso para Portugal
Da análise que fazem aos dados dos 54 países, os autores chegam à conclusão que períodos prolongados de excedentes orçamentais “ocorrem com maior probabilidade quando o crescimento económico é forte, o saldo com o exterior é positivo (as taxas de poupança são elevadas), o rácio da dívida é alto (acentuando a urgência de um ajustamento externo) e os partidos do Governo controlam todas as camaras parlamentares (o seu poder de negociação é forte)”. O estudo conclui ainda que, “historicamente, é mais provável que os governos de esquerda consigam excedentes primários elevados e persistentes”.

Perante estes dados e comparando-os com aquilo que os países europeus se preparam para tentar fazer, os autores vêem poucas probabilidades de sucesso. “Esta análise não nos deixa optimistas que os países europeus em crise sejam capazes de registar excedentes orçamentais primários tão grandes e persistentes como aqueles que estão projectados oficialmente”, escrevem na conclusão do seu estudo.

Em declarações ao PÚBLICO, e questionado sobre se Portugal reunia as condições para atingir as suas metas orçamentais e tornar-se em mais um dos casos excepcionais, Barry Eichengreen, professor na Universidade da Califórnia, em Berkeley, mostrou-se pessimista. “Ser excepcional exige a combinação de dois factores: uma forte pressão exterior e instituições orçamentais domésticas fortes. Portugal obviamente cumpre o primeiro facto, mas não o segundo”, defende.

Além disso, assinala que o facto de Portugal estar acompanhado por muitos outros países neste esforço piora as suas perspectivas. “Quando toda a gente está a consolidar, o impacto negativo no produto é maior e a consolidação orçamental torna-se mais difícil de sustentar”, diz.

Com todas estas dificuldades quais são as alternativas para Portugal? Eichengreen vê dois cenários possíveis. “O Banco Central Europeu terá de ajudar com uma taxa de inflação mais alta e a Alemanha terá de ajudar com um maior apoio orçamental ao crescimento, caso contrário a dívida terá de ser reestruturada”, afirma.

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