Israel aceita trégua temporária mas quer continuar a destruir túneis do Hamas

Esforços dos EUA só tinham conseguido até à noite desta sexta-feira pausa de 12 horas nas hostilidades. Hamas insiste no fim do bloqueio a Gaza para cessar disparos.

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Militares israelitas mostram saída de túnel numa visita para jornalistas JACK GUEZ/AFP
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Entrada de um túnel de Gaza para Israel JACK GUEZ/AFP
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Muitos túneis têm electricidade e alguns até linhas telefónicas Entrada de um túnel de Gaza para Israel/AFP

A complexa rede de túneis do Hamas, chamados “Gaza subterrânea”, com múltiplas entradas, alguns até com electricidade e linhas telefónicas, são o alvo número da ofensiva em Gaza de Israel — que nesta sexta-feira à noite aceitou uma trégua temporária. Para além dos túneis, os militares israelitas visam também projécteis de fabrico sírio e iraniano que chegam até Telavive.

O Estado hebraico não quer voltar a uma situação em que as suas cidades são ciclicamente alvos de rockets e mísseis palestinianos. Um coro de vozes pede que esta guerra não acabe com um regresso à situação anterior, como aconteceu com as operações de 2008-2009 e de 2012, na estratégia de “cortar a relva” — as capacidades do Hamas são diminuídas, mas voltam a crescer passado pouco tempo, e a situação regressa rapidamente ao que era antes.

Nesta sexta-feira, o Governo de Benjamin Netanyahu fez saber que não aceitava uma proposta de trégua dos Estados Unidos, cujos termos exactos não foram divulgados, mas incluiria uma pausa nos combates durante uma a duas semanas em que se discutiria um acordo. Logo de seguida, fonte oficial norte-americana afirmou, sob anonimato, que o primeiro-ministro disse ao secretário de Estado, John Kerry, que Israel faria uma pausa de 12 horas nas hostilidades a partir das 7h deste sábado (5h em Portugal Continental).

Os túneis do Hamas permitem tanto a entrada de armas que o movimento usa em Gaza, como dão algum espaço para respirar à economia palestiniana, com passagem de produtos de contrabando, desde tabaco a electrodomésticos ou produtos quase de luxo, como comida vinda do Kentucky Fried Chicken (KFC), a partir da cidade egípcia de El-Arish — uma empresa especializou-se mesmo neste tipo de encomendas, que tinha muita procura, apesar das três horas que demorava a comida a entrega.

O Estado judaico preocupa-se com estes túneis por causa da entrada de armas via Egipto, mas também com os chamados “túneis ofensivos”, que desembocam em Israel. Foi encontrado um com saída mesmo sob um refeitório de um kibbutz, outro tão perto de uma localidade que não seria difícil homens armados levarem a cabo um ataque. Foi através de um túnel que, em 2006, o Hamas levou o soldado Gilad Shalit, que ficou refém cinco anos até ter sido acordada uma troca de prisioneiros.

O objectivo israelita pode, no entanto, não ser exequível. “Para neutralizar militarmente o Hamas, Israel teria de entrar em todas as casas de Gaza, e debaixo delas”, comentava Martin van Creveld, historiador militar israelita, citado pela Economist. “E, mesmo assim, não iria resultar.”

Do lado palestiniano, o Hamas tem repetido que só aceitará um acordo que inclua o fim do embargo que sufoca economicamente a Faixa de Gaza. O fim do embargo é o equivalente para o Hamas à destruição dos túneis para Israel. Num artigo desta sexta-feira, a revista Economist dizia que para acabar o conflito era preciso que se cumprissem ambas as condições. Mas não parecia que nenhum dos lados estivesse próximo de aceitar a exigência do outro.

“Dia de raiva”

Enquanto Kerry desaparecia da ribalta para uma intensa diplomacia telefónica, no terreno mantiveram-se os ataques em Gaza, continuaram os
rockets sobre Israel, e, pela primeira vez, a violência alastrou para a Cisjordânia, com manifestações de dezenas de milhares de pessoas, com dimensão comparada aos protestos da Intifada (revolta) de 2001 a 2005.

Na quinta-feira à noite, um grupo de manifestantes avançou pela estrada de Ramallah para Jerusalém, atacando um posto de controlo de Israel. Partes da estrada entre as duas cidades estavam cobertas de pedras usadas por palestinianos, na maioria jovens, contra as forças israelitas, diz a correspondente da Al-Jazira na Cisjordânia, Dalia Hatuqa. Israel diz que depois de falharem os meios de controlo de multidões, recorreu a disparos reais. Morreu um palestiniano, houve duas centenas de feridos. “Há ambulâncias a chegar a cada minuto”, comentou um médico do serviço de emergências do hospital de Ramallah ao diário britânico The Guardian. “Já vimos isto antes, mas não desde a Intifada.”

A Autoridade Palestiniana, cujas forças mantêm, num acordo com Israel, a calma na Cisjordânia, marcou um “dia de raiva” para sexta-feira. Morreram quatro palestinianos em circunstâncias não esclarecidas, dois perto de Nablus, aparentemente mortos por um habitante de um colonato judaico, outros dois numa manifestação perto de Hebron.

Em Gaza, o 18.º dia de conflito foi marcado pela morte de um responsável da Jihad Islâmica, juntamente com dois dos seus filhos, de 12 e 15 anos, e pela morte de uma grávida — os médicos conseguiram ainda salvar o seu bebé.

No total morreram já 828 palestinianos em Gaza, a maioria civis. Israel perdeu mais um militar, um reservista, elevando o número de baixas militares para 33, e anunciou que um soldado dado como desaparecido, e que o Hamas disse ter capturado, foi afinal mesmo morto em combate e “sepultado em local desconhecido”.

O Hamas, por seu lado, continuou a disparar rockets contra Israel, fazendo soar sirenes de alarme em Telavive com projécteis destruídos pelo sistema de defesa Iron Dome. Apesar de não causarem danos, os rockets continuam a ser uma ameaça. Um avião da Air Canada abortou a primeira tentativa de aterragem no aeroporto internacional Ben Gurion, acabando por aterrar sem problemas dez minutos depois. O cancelamento de viagens para Telavive das autoridades norte-americanas e de muitas companhias aéreas europeias durante dois dias desta semana foi dos maiores golpes que o Hamas conseguiu infligir a Israel

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