Caixas negras do voo MH17 estão intactas, mas podem não apontar culpados

Estados Unidos e Ucrânia juntam provas circunstanciais, mas os entraves ao início das investigações e o facto de ambos os lados do conflito terem sistemas de mísseis Buk podem deixar a principal pergunta sem resposta.

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As caixas negras foram entregues às autoridades da Malásia e já chegaram ao Reino Unido Maxim Zmeiev/Reuters

Não é tarde de mais para descobrir o que causou a queda do avião da Malaysia Airlines em território ucraniano, perto da fronteira com a Rússia, mas começa a ser cada vez menos provável que alguém descubra os responsáveis directos pelo desastre que matou 298 pessoas.

Ao fim de seis dias em que nenhum perito independente foi autorizado a analisar com o tempo necessário os destroços do Boeing 777, a investigação arrancou finalmente na quarta-feira, com a chegada das duas caixas negras ao Reino Unido, onde estão a ser analisadas pelo organismo do Ministério dos Transportes que investiga as causas de desastres aéreos, o British Air Accidents Investigation Branch.

O primeiro receio foi afastado na tarde desta quarta-feira, quando os especialistas holandeses que lideram a investigação ao desastre afastaram a hipótese de as caixas negras terem sido alteradas.

As informações registadas nas caixas negras – na verdade, duas caixas cor-de-laranja, uma que regista os dados do voo e outra que guarda as conversas e outros sons no cockpit do avião – vão ser conhecidas nos próximos dias, mas vários especialistas duvidam que possam dar uma resposta cabal à pergunta que todos fazem: quem abateu o avião?

As investigações começaram tarde, e dificilmente vão decorrer no ambiente mais favorável. Ainda nesta quarta-feira, dois caças da Força Aérea ucraniana foram abatidos no Leste do país, na região de Saur-Mogila, a poucos quilómetros do local onde estão espalhados os destroços do voo MH17 da Malaysia Airlines.

As provas circunstanciais reunidas pelos Estados Unidos apontam para o cenário que tem sido avançado desde o dia do desastre pelo Governo ucraniano – que o avião da Malaysia Airlines foi abatido por um míssil do sistema Buk, de fabrico russo, disparado numa área controlada pelos combatentes separatistas no Leste da Ucrânia.

Mas os serviços de segurança ucranianos e norte-americanos estão a tentar completar um puzzle com peças pouco usadas na investigação a desastres aéreos. Numa reunião esta semana na Casa Branca, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, reuniu-se com a sua equipa de segurança nacional, para analisar em que ponto estava o conjunto de provas reunidas contra os separatistas e, por extensão, contra Moscovo.

Até agora, pelo que se vai sabendo através das fontes anónimas citadas pelos media norte-americanos, a acusação contra os separatistas continua a basear-se em indícios que não são suficientes para uma condenação: fotografias de satélite, conversas telefónicas, mensagens publicadas no Twitter e no Facebook e vídeos publicados no YouTube.

"Entre as provas que mais incriminam os separatistas estão imagens captadas por satélites espiões dos EUA, que mostram uma coluna de fumo a erguer-se numa área controlada por separatistas, onde o míssil foi disparado", escreveu a revista norte-americana Foreign Policy, citando "fontes oficiais" da Administração Obama.

Sinal dos tempos – ou da falta de provas concretas, pelo menos por agora – é "a determinação de Washington em usar o Twitter e o equivalente russo do Facebook  [a rede social VK] para reforçar a sua acusação contra Putin", que a Foreign Policy descreve como "um momento importante na história dos media sociais, que estão agora a assumir um lugar de destaque ao lado de informações confidenciais recolhidas pelos serviços secretos como uma importante fonte de informação para os líderes mundiais".

A juntar aos indícios recolhidos até agora, fotografias partilhadas por jornalistas na área onde estão concentrados os maiores destroços do Boeing 777 mostram o que parecem ser buracos na fuselagem, consistentes com o impacto de fragmentos de um míssil do sistema Buk – um sistema de fabrico russo, usado pelo Exército ucraniano, e que se suspeita terem também chegado às mãos dos separatistas.

Todos estes indícios, no entanto, podem ser insuficientes para apontar o dedo a um culpado, alerta David Learmount, um especialista em aviação do site Flightglobal, ouvido pela BBC.

Um dos problemas que mais preocupam os especialistas já não pode ser resolvido, sublinha David Learmount: "Esta área [do desastre] em particular nunca foi protegida, e ainda não está protegida."

Os observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) já confirmaram que os destroços do avião foram mexidos, algumas peças mudadas de localização e até "cortadas", segundo o líder da missão da OSCE, Michael Bociurkiw.

Mas, como salientam os especialistas, uma coisa é provar que o avião da Malaysia Airlines foi derrubado por um míssil disparado numa área controlada pelos separatistas e que os destroços foram remexidos, e outra, mais complicada, é provar que o míssil foi disparado pelas forças que se opõem ao Governo de Kiev ou mesmo por elementos do Exército russo, como acusam as autoridades ucranianas.

"Algumas fotografias mostram que várias secções do avião parecem ter sido atingidas por uma 'shotgun', e isso prova que algo tentou entrar no avião a partir do exterior, e que não houve uma explosão a bordo do aparelho”, disse à BBC David Gleave, da Universidade de Loughborough.

Em conclusão, afirma Douglas Barrie, analista do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, "as imagens disponíveis são compatíveis com o tipo de destruição esperada com a fragmentação da ogiva de um míssil terra-ar."

Por mais que os indícios se avolumem nas redes sociais e nas imagens de satélite, muitos especialistas estão convencidos de que este será um daqueles casos em que a soma de 2 mais 2 dificilmente será suficiente para obter 4.

"Mesmo que sejam recuperados os fragmentos de um míssil, isso não será suficiente para determinar a responsabilidade, porque ambos os lados [os rebeldes separatistas e o Exército ucraniano] têm acesso a este tipo de equipamento", afirma o engenheiro aeroespacial David Owen, autor do livro "Air Accident Investigation", publicado em 1998.

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