Constitucional dá razão a procuradora adventista que o MP obrigava a trabalhar ao sábado

Supremo Administrativo e MP diziam que só seria possível com horário flexível. Tribunal Constitucional considera que tal não tem "qualquer cabimento" e diz que estava em causa a garantia da liberdade religiosa.

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Em Cabo Verde, o PGR disse que a violação do segredo de justiça em Portugal é “usual” e “sem réus” Foto: Rui Gaudêncio

A liberdade religiosa acabou por vencer no caso de uma procuradora que há vários anos lutava em tribunal para que fosse reconhecido o direito de não trabalhar aos sábados, como professa a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Num acórdão recente, o Tribunal Constitucional (TC) dá razão à magistrada e revoga a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA).

O STA, para onde a procuradora tinha recorrido depois do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) não a isentar de trabalho aos sábados como requerera em 2011, rejeitara a pretensão. Considerava que não havendo flexibilidade no horário de trabalho dos procuradores não era legítima a dispensa. A Lei da Liberdade Religiosa elenca aquele como um dos critérios.

O Supremo Administrativo dizia ainda que de outra forma a procuradora, então na Covilhã, ficaria numa situação desigual face os colegas e que não se podia “decretar que o direito ao culto, por estar constitucionalmente garantido, deve prevalecer sobre qualquer outro” e sobre os deveres funcionais. Avisava ainda que a procuradora “deveria ter escolhido outra profissão” se discordava das “condicionantes e das limitações que o exercício da magistratura do MP implicava”.  

O Constitucional discorda e diz mesmo, no acórdão ao qual o PÚBLICO teve acesso, que tal interpretação “não tem qualquer cabimento”. Considera que efectivamente os procuradores estão sujeitos a um horário flexível de turnos, o que deita por terra o único argumento formal que o Supremo Tribunal Administrativo e o CSMP usavam para obrigar a procuradora a trabalhar ao sábado. A Procuradoria-Geral da República e o CSMP garantiram que vão "acatar a deliberação do TC" e "procederão de acordo com a decisão a proferir pelo STA em acórdão reformulado". Não há, diz a PGR, registo de casos semelhantes no MP.

Se a obrigação se mantivesse, estaria em causa, diz o TC, a legalidade da actuação do Estado. “O Estado não assegura a liberdade de religião se, apesar de reconhecer aos cidadãos o direito de terem uma religião, os puser em condições que os impeçam de a praticar”, dizem os juízes do TC.

Assim, o CSMP, sugere o Constitucional, “pode afectar os magistrados que invoquem a dispensa de serviço por motivo religioso a comarcas relativamente às quais se verifique uma menor incidência de serviço de turno aos sábados, de modo a compatibilizar o exercício do direito com o cumprimento dos deveres funcionais”.

A decisão recorda ainda a garantia da liberdade religiosa na Constituição da República. Nela, está previsto que os trabalhadores possam suspender o trabalho “dentro de certas condições, no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam”. Outra interpretação, que conduza a uma aplicação deste direito a uma situação “meramente residual”, “levaria a concluir pela inconstitucionalidade”, avisa o TC.

Os adventistas mantêm 28 crenças fundamentais e a sua aceitação constitui um requisito para a adesão àquela igreja. Uma das delas é a observância do sábado como dia de descanso, adoração e ministério, abstendo-se de todo o trabalho secular.

Caso de funcionária adventista teve igual decisão do TC 
A interpretação do TC não se restringe, porém, a esta profissão, uma vez que considera que a flexibilidade de horário ocorre em todas as profissões em que “que seja possível compatibilizar o cumprimento da duração do trabalho com a dispensa para efeitos de observância dos dever religiosos”.

Aliás, noutro acórdão recente o Constitucional dá razão pelos mesmos motivos a uma funcionária que recorrera à justiça depois de ter sido despedida por se ausentar do trabalho para culto. Após quatro processos disciplinares, a empresa considerou que as faltas eram injustificadas. O Tribunal de Loures e a Relação de Lisboa concordaram, mas o TC revogou a decisão.

Rosário (nome fictício) trabalhava há 21 anos na mesma empresa e acordara com os patrões que os seus turnos nunca calhariam ao sábado. Nunca teve problemas até a entidade empregadora um dia decidir mudar-lhe os turnos. Entre faltar ao trabalho e não cumprir o ritual, Rosário optou pela primeira.

Casos como este e o da procuradora já tinham levado o ex-provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, a defender que a dispensa de trabalho por motivos religiosos deveria ser estendida a todos os trabalhadores e não ser circunscrita aos que estão em regime de flexibilidade de horário, como prevê a lei. O TC defende agora uma interpretação mais aberta desse critério para que se possam garantir “os direitos fundamentais do trabalhador”.

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