Começam as viagens aleatórias de Sines

Após a edição em modo best of de 2013, o Festival Músicas do Mundo regressa este ano ao seu intuito primeiro: o de revelar novas músicas das mais variadas geografias. Recuperando um modelo testado anteriormente, arranca nesta sexta-feira em Porto Covo, mudando-se dia 21 para os habituais palcos de Sines.

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Kayhan Kalhor actua neste sábado em Porto Covo DR

A grande novidade da 16ª edição do Festival Músicas do Mundo (FMM) é que nada mudou. Após o fantasma que se levantara por obra da mudança política na autarquia de Sines em 2013, que poderia ditar alterações na continuidade e nos moldes em que existe o FMM, a verdade é que a matriz daquele que se tornou o mais importante festival de world music em Portugal e um dos 25 recomendados anualmente pela prestigiada revista inglesa Songlines se mantém, até ver, intocada.

De facto, a haver novidade para lá da preservação das linhas orientadoras passadas, essa poder-se-á talvez identificar no regresso a um modelo já experimentado anteriormente: o FMM passa os seus primeiros dias na localidade vizinha de Porto Covo, só depois se instalando em definitivo nos seus palcos mais emblemáticos no Castelo de Sines e na Avenida da Praia, junto ao Atlântico.

“Estamos vivos”, diz ao PÚBLICO, com algum humor, o director artístico do FMM Carlos Seixas. “E é reconfortante voltar a uma programação que não segue o best of do no passado [por ocasião da 15ª edição], trazendo outros artistas que não são tão conhecidos – que é um pouco o nosso intuito, o de pôr este público a descobrir outra vez coisas que desconhece”. É, no fundo, nesse sentido que Seixas tem repetido variadíssimas vezes que o FMM cumpre um papel de “serviço público”. É um festival que, embora proponha também reencontros, se define sobretudo pelo encanto do contacto com algo profundamente novo – em 2013, Silvia Pérez Cruz, DakhaBrakha e Asif Ali Khan cumpriram esse papel de passarem de perfeitos desconhecidos a estrelas do FMM.

O retorno a Porto Covo, após um interregno de quatro anos, foi assim pensado como uma oportunidade para corrigir a relação entre o evento principal e a sua extensão. “Estabelecemos que seria um regresso não na continuidade”, explica Carlos Seixas, “porque há uns anos a programação de Porto Covo estava já num patamar quase ao nível da de Sines”. Por isso mesmo, e uma vez escolhido o Largo Marquês de Pombal, a programação foi definida em função da localização, com a intenção de obedecer a uma selecção “mais intimista e mais clássica – até para fruição de um público que encontra naquele largo, um lugar mais contemplativo”, explica o director artístico.

É precisamente no Largo Marquês de Pombal que, entre esta sexta-feira e domingo, se inicia o FMM, rumando depois, de 21 a 26 de Julho, para Sines. E será já neste sábado, em Porto Covo, que o festival receberá uma das actuações mais aguardadas desta edição, protagonizada pela dupla Kayhan Kalhor & Erdal Erzincan, num encontro entre tradições musicais persa e anatoliana, feito de um diálogo de intensa e bela curiosidade sobre a cultura do outro. Mas o arranque, já nesta sexta-feira à tarde, pelas 17h30 (repetindo no sábado, às 19h), começa por trazer um tom de festa informal ao FMM. Pelas ruas de Porto Covo, andará a Jaipur Maharaja Brass Band a fazer da música uma experiência ambulante e sem itinerário definido (curioso contraste, uma vez que as ruas em Jaipur muitas vezes não se deixam atravessar devido a um trânsito ininterrupto), antes de Custódio Castelo ensaiar novas experiências no fado na companhia da cantora luso-francesa Shina. O Rajastão indiano marcará ainda presença na primeira noite pela voz do espantoso cantor Bachu Khan.

A grande embaixada asiática
Após o tiro de partida, o FMM transforma-se no frenesim habitual de constante saltos no planeta, sendo o público repetidamente empurrado no sentido da descoberta. A partir de um conceito que Carlos Seixas define como um itinerário de “viagens aleatórias”, influenciado primeiramente pelas disponibilidades de agenda dos artistas, há uma intenção de evitar uma programação temática, sendo privilegiada essa roleta russa geográfica e cultural. Assim, depois da despedida de Porto Covo com o gospel/soul/jazz de Selma Uamusse e a llanera colombiana dos Cimarrón, a passagem para Sines faz-se em torno de duas ideias fundamentais: a presença de grandes nomes da música africana e a maior comitiva de sempre do continente asiático no FMM.

Num ano em que a representação sul-americana coloca em descanso os músicos brasileiros e promete grandes momentos pelas fusões de linguagens tradicionais e imaginário pop/rock pelos psicadélicos colombianos Meridian Brothers (5ª, 24) e pela cantora argentina La Yegros (4ª, 23), Carlos Seixas conseguiu fugir às escolhas mais evidentes de músicos asiáticos, constantes de um circuito povoado sobretudo por músicos da diáspora. Além dos nomes já referidos, a Índia marcará ainda presença através da performance de dança e teatro ritual Mudiyett (2ª, 21, na Avenida da Praia) e do tocador de sitar Niladri Kumar (24), a China voltará a apresentar-se através de uma fusão entre música local e rock pelos Ajinai (23), na mesma noite em que uma fórmula semelhante é posta em prática pelos sul-coreanos Jambinai. Mas o programador chama sobretudo a atenção para o virtuosismo do percussionista iraniano Mohammad Reza Mortazavi (25).

Os concertos dos nomes consagrados da world music ficarão por conta do inventor do jazz etíope Mulatu Astatke (24) e da festa da última noite (26) com a cantora do Benim Angélique Kidjo, antecedida pela dupla maliana/cubana de Fatoumata Diawara (voz) e Roberto Fonseca (piano). Como é tradição, também os músicos portugueses se dividem entre os nomes mais populares como Gisela João e Júlio Pereira (25), e os menos óbvios Ai! (21) e Galandum Galundaina (25). O FMM inclui ainda um extenso programa de actividades paralelas, entre debates, ateliês para crianças e contadores de histórias, ficando no ar a expectativa se conseguirá de novo atrair os 90 a 100 mil espectadores da última edição.

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