CGTP junta 40 mil e marca novo protesto para dia 25 contra corte de salários

Arménio Carlos promete um Verão cheio de lutas laborais e sessões de esclarecimento junto dos trabalhadores.

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Daniel Rocha

Depois da manifestação que juntou esta quinta-feira à tarde em Lisboa cerca de 40 mil pessoas, a CGTP anunciou novo protesto já para dia 25, fazendo-o coincidir com a discussão e votação, nesse dia, da proposta do Governo que volta a implementar os cortes salariais que José Sócrates decretou para a função pública em 2011 e que duraram até 2013 (de 3,5 a 10% para salários brutos acima de 1500 euros).

Na concentração ao fundo da escadaria da Assembleia da República, com o largo repleto de manifestantes, bandeiras e tarjas com palavras de luta, Arménio Carlos anunciou que no dia 25 haverá ali uma concentração nacional de dirigentes, delegados e activistas sindicais, para rejeitar a proposta de lei sobre a “reconfiguração dos cortes salariais”, uma “repicagem” da lei de Sócrates e que é mais um passo do “roubo perpétuo” que este Governo quer fazer nos salários.

O líder da CGTP insurgiu-se contra as medidas do Governo “contra o trabalho”, em especial as da contratação colectiva e a redução do valor pago pelas horas extraordinárias – os dois motivos para o protesto de ontem (ver texto ao lado). E contra as “aldrabices e mistificações” do Executivo de que o país está melhor. “É de retrocesso social e civilizacional que se veste o modelo que PSD e CDS têm para o país”, com a “coordenação e cooperação” do Presidente da República. E até ficou uma espécie de pressão sobre o Tribunal Constitucional: os juízes devem olhar para estes protestos e pensar na sua dimensão quando tomam decisões, apontou Arménio Carlos. Que disse ainda que o BES está a ficar um “caso de polícia”.

Além do protesto de dia 25, e apesar de o Verão já ter chegado, Arménio Carlos promete que os trabalhadores e reformados “não vão baixar os braços nem dar descanso ao Governo”. Para as próximas semanas há greves sectoriais e locais marcadas, em Agosto haverá sessões de esclarecimento e plenários em empresas. “Não é no Verão que nos cansam e muito menos nos impedem de lutar contra esta política”, avisou.

A vontade, olhando para o exemplo de ontem, não falta, como salientou Jerónimo de Sousa, que viu passar a manif junto ao quartel dos sapadores bombeiros e que foi assaltado por militantes e fãs na ânsia de um beijo ou um abraço.

Nem os 34 graus de sol inclemente que se faziam sentir no Cais do Sodré às 14h30 demoveram os milhares de pessoas que foram chegando ao largo fronteiro ao Tejo e procurando a sombra das árvores, dos prédios ou da pala da estação de comboios, onde corria uma tímida brisa. Até as bandeiras serviam para tapar a cabeça. À espera da ordem para ocuparem o seu lugar na marcha – sim, até há um guião com a posição em que desfilam os sindicatos - muitas gargantas foram-se refrescando com água ou um copo de cerveja a 90 cêntimos no quiosque, como fez Rita Medinas, de Oeiras, e que viera de comboio.

Reformada, a pensão não foi atingida por cortes porque é só de 400 euros, apesar dos 43 anos de descontos. Rita esteve desempregada três anos antes de se reformar, no centro de emprego até se inscreveu para limpezas, mas disseram-lhe que era demasiado velha para isso. O irmão esteve sem emprego mas agora a família, felizmente, já se endireitou. Critica a retirada de “direitos fundamentais” e promete continuar a “refilar” sempre. “Estamos quase a ficar como no dia 24 de Abril. Só não cortam mais porque eles ainda resistem [aponta para os sindicatos].”

Enquanto o sector privado, os reformados e jovens se concentravam no Cais do Sodré, à mesma hora, juntavam-se no Marquês de Pombal os trabalhadores da administração pública, que passaram pelo Largo do Rato e desceram a Rua de São Bento.

E se uma manifestação serve para “chamar nomes aos políticos” e “lavar os olhos”, como dizia um homem na avenida Dom Carlos I perante uma vistosa lojista de vestido azul curto e saltos agulha à porta da loja de decorações, também foi dando para alguns negócios, como as garrafas de água e latas de cerveja a um euro e chapéus de palha coloridos a três.

Isabel Fonseca é professora reformada e veio de Coimbra com duas amigas nas mesmas condições, que foram secretárias. Com os cortes, as férias que faziam juntas há alguns anos, quando os filhos se tornaram autónomos, passaram a “passeios cá dentro, como mandam os governantes. Mas eles vão para o estrangeiro”, queixa-se.

A sossegada Rua de São Paulo foi engolida pela manifestação. Bandeiras coloridas, bonés vermelhos da CGTP, tarjas de um lado ao outro da rua iam mostrando quem protestava, dos trabalhadores e reformados da hotelaria aos do comércio, passando pelos do espectáculo, empresas do grupo CGD, polícias, enfermeiros, metalúrgicos, transportes, correios e telecomunicações, entre muitos outros. Até associações locais de reformados como os de Aveiro ou da bem comunista vila do Couço.

Sucediam-se as palavras de ordem gritadas pela força da garganta ou ajudadas pelos megafones. De cábula amarrotada na mão lá se foram tentando novos slogans como “reformados a pagar, banqueiros a roubar”, “existem soluções, queremos eleições” ou “com PS/PSD, é a crise que se vê”, que pegaram na multidão, mas outros ficaram nitidamente para nova oportunidade.

Se prémios houvesse para a originalidade dos cartazes e disfarces, ontem podiam distribuir-se alguns. Aos coveiros que levavam um caixão preto onde jazia a contratação colectiva, a Segurança Social e a Educação, ao mecânico de bata branca que trazia peças e canos nas mãos, a alguns cartazes com boas rimas, e até a César Guerreiro, que insiste em trazer para estas manifestações um coelho lá da sua coelheira, em Setúbal, já morto e esfolado, pendurado num ferro. “Comecei a trabalhar aos 14 anos, descontei durante 45 anos e agora estão a roubar-me 270 euros todos os meses. O que eu gostava era de um dia fazer ao outro o que faço a este [coelho]”, diz, rindo e apontando para o pobre bicho, magrito e mirrado do sol.

Ficar-se-ia pelo desejo. Atitudes mais radicais não são apanágio das manifestações da CGTP. E a polícia sabe-o. O dispositivo policial era ontem mínimo: 20 agentes espalhados pelas escadas e relvados e uma só barreira de grades bastaram para vigiar os manifestantes ruidosos.

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