Em Raqqa, a “capital” do ISIS, já não se pode ouvir música

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jihadistas de várias nacionalidades nas fileiras do ISIS Reuters

Bandeiras negras, combatentes e emblemas do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (ISIS) em cada esquina: não há margem para dúvidas sobre quem faz a lei em Raqqa, depois de esta cidade no Norte da Síria se ter tornado “a capital” do grupo jihadista.

A localidade, estrategicamente situada no vale do Eufrates e a menos de 200 quilómetros da fronteira iraquiana, tornou-se, segundo militantes, a base do ISIS, que, desde o início de Junho, leva a cabo uma vasta ofensiva no Iraque.

Depois da chegada, em 2012, dos seus primeiros combatentes à única capital provincial que escapa inteiramente às forças de Bashar Al-Assad, o grupo impôs progressivamente um regime brutal e extremamente organizado que tem todos os contornos de um Estado.

No topo da hierarquia encontram-se sauditas e iraquianos, e, em menor número, tunisinos, descrevem à AFP peritos e militantes. Nos níveis mais abaixo, estão sírios, egípcios, europeus e tchetchenos.

“Quando os jihadistas chegaram a Raqqa, eles formavam um grupo de 10 ou 15 combatentes. Hoje, o ISIS controla todos os aspectos da vida na cidade”, conta Omar al-Huweidi, escritor e especialista no ISIS, que vivia em Raqqa mas fugiu para a Turquia.

O grupo tomou o controlo total da cidade em Março, depois da retirada das forças governamentais, derrotadas pelos rebeldes do Exército Livre da Síria. O ISIS, a seguir, expulsou os rebeldes e instaurou a sua lei, proibindo a população de fumar ou de ouvir música. Agora, em Raqqa, uma cidade que contava com 250 mil habitantes antes de 2011, “o ISIS tem departamentos governativos para tudo o que se possa imaginar: saúde, educação, segurança, assistência islâmica, gestão das relações tribais, e mesmo uma embaixada do emirado de Alepo”, explica al-Huweidi.

O ISIS, uma emanação da Al-Qaeda que nunca jurou obediência ao líder da rede extremista, Ayman al-Zawahiri, em tempos quis fundir-se com o braço oficial da Al-Qaeda na Síria, a Frente al-Nusra, mas esta recusou a aliança, abrindo um guerra fratricida entre os dois grupos.

“A diferença é que a Frente al-Nusra espera pela queda do regime para impor as hudud, enquanto o ISIS já começou” a aplicar o código de sanções previstas pela sharia (a lei islâmica), como a amputação da mão de um ladrão, explica al-Huweidi.

O emir do ISIS em hudud, Abu Luqman é um sírio sem piedade e “muito inteligente”, explica um habitante. À sua volta gravitam jihadistas estrangeiros – iraquianos e sauditas – que, segundo militantes, tomam a maior parte das decisões.

Segundo Hadi Salameh (nome falso), um militante que trabalha em Raqqa, os combatentes que ocupam os cargos mais importantes são iraquianos, muitos deles antigos militares de Saddam Hussein, derrubado pelos Estados Unidos em 2003.

“Os chefes são escolhidos com base em vários factores, nomeadamente se cumpriram penas de prisão na Síria ou em outros regimes árabes, nos Estados Unidos, no Iraque ou em Guantánamo”, explica Salameh.

O líder máximo do ISIS, Abu Bakr al-Baghdadi, passou quatro anos num campo de detenção americano. Sabe-se pouco sobre ele e “o mistério que o rodeia contribuiu para o culto da sua personalidade”, considera Aymenn Jawad al-Tamimi, professor universitário especialista em movimentos islamistas.

No YouTube, multiplicam-se os anasheed (cantos religiosos) louvando as virtudes de Baghdadi e apelando aos potenciais recrutas a jurarem-lhe lealdade. Milhares de jovens sírios juntaram-se ao ISIS, que consideram como uma alternativa radical e poderosa ao Exército Livre da Síria, pouco organizado e mal equipado. Um contraste com o ISIS, que ambiciona instalar um estado islâmico na região que junta o Iraque à Síria, e que é rico e bem armado.

“Eles pagam os salários dos seus homens em dólares”, diz Hadi Salameh.

O grupo apoderou-se de um grande número de armamento pesado de fabrico americano, que já transportou para Raqqa, e é possível ver na região os famosos veículos humvee, que o Exército dos EUA deixou às tropas iraquianas. O ISIS também controla os campos de petróleo e de gás na província síria de Deir-Ezzor (Leste) e organizou um sistema de colecta de impostos nas zonas que estão sob o seu domínio.

Para a população, a vida em Raqqa é extremamente difícil. “Os jihadistas estrangeiros feridos têm prioridade no hospital. Os sírios, mesmo as crianças, são cidadãos de segunda categoria”, dá como exemplo Salameh. Mas a população civil tem que se sujeitar ao reino de terror do ISIS porque “os principais líderes de todas as tribos juraram lealdade ao grupo, mais por medo do que por convicção”, explica Huweidi.

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