O factor humano

No papel, Terra Prometida é um filme “político” sobre o polémico processo de fracturação hidráulica (ou fracking), que corre o risco de destruir a natureza na sua maximização dos recursos naturais, poluindo as camadas freáticas e contaminando o solo. Mas olhar para o novo filme de Gus van Sant como um filme político é passar ao lado daquilo que interessa essencialmente ao realizador de Milk e Elephant e ao seu actor, Matt Damon, aqui também argumentista e produtor: Terra Prometida é um filme sobre os dilemas da integridade, sobre o confronto entre o dinheiro e a tradição, que interliga o pessoal e o social como Hollywood já soube fazer nos anos 1970 e como hoje já parece não querer fazer. A política apenas interessa a van Sant e a Damon enquanto algo que afecta o indivíduo, que exige e implica uma definição do seu lugar num mundo e numa sociedade em mudança.


É nesse território que Terra Prometida se instala, recordando por um lado o “cinema liberal” de Sydney Pollack, Norman Jewison ou Alan Pakula, mas reconhecendo por outro que já não é possível pintar as coisas tão preto-no-branco como nesses anos. Numa terriola da Pensilvânia rural, a opção é abandonar a terra arável e aceitar o dinheiro das indústrias energéticas, ou arriscar a falência e deixar a recessão económica sangrar a comunidade aos poucos. Nenhuma das escolhas é fácil, há sempre um preço a pagar - Damon interpreta o representante da energética que acredita sinceramente naquilo que faz, porque viu a sua própria cidadezinha morrer quando a economia local morreu e não quer que isso se repita noutros sítios.

É esse factor humano que faz a diferença quanto ao filme de “mensagem” ou à celebração da small town americana em que Terra Prometida arrisca cair às vezes (mas do qual se salva sempre in extremis graças à desarmante modéstia do trabalho de direcção de van Sant e à modulação perfeita do elenco): é uma história de gente apanhada numa encruzilhada onde ninguém está certo nem errado, sem cair em demagogias baratas. Aproveitando ao máximo o elenco de luxo que por aqui anda (Damon, John Krasinski, Frances McDormand, Hal Holbrook, Rosemarie de Witt, Titus Welliver, Scoot McNairy), van Sant não cria bonecos que estão aqui para defender uma posição, mas sim gente que não tem respostas, gente que faz escolhas e tem de viver com elas, custe o que custar. Não é outro Milk? Não. Mas não ficou longe.

Sugerir correcção
Comentar