Vamos falar de sexo

A história verídica de uma iniciação sexual sui generis transcende convenções e evita lamechices graças aos seus actores.

Seria tão fácil a Seis Sessões cair na banalidade do filme inspiracional, da história verídica do deficiente motor que transcende as suas limitações. Seria, mas felizmente não é. Primeiro, porque o seu autor, o australiano radicado nos EUA Ben Lewin, é ele próprio deficiente motor, necessitando de muletas para andar após ter sofrido de poliomielite em criança. Qualquer choradinho ou vitimização é assim (felizmente) automaticamente ejectado. Depois, e sobretudo, porque Seis Sessões não é um filme sobre a deficiência mas sim sobre o sexo - e isso desarma de imediato qualquer olhar mais ou menos condoído, porque uma abordagem natural do sexo como uma actividade normal e saudável não é coisa que se veja muito no cinema americano, história verídica ou não.


E esta, de facto é: Mark O'Brien, poeta e jornalista paralisado do pescoço para baixo, necessitando de um pulmão de aço para sobreviver mas capaz de ultrapassar obstáculos e viver uma vida razoavelmente independente, existiu realmente, foi até alvo de um documentário vencedor de Óscares e o filme baseia-se num artigo que ele próprio escreveu sobre a sua tardia “iniciação” sexual. Entra aqui a “terapeuta sexual” que, ao abrir Mark aos prazeres do corpo, acaba também por abrir outras coisas, nomeadamente a ternura, a compreensão, o amor absoluto que vai para lá da superfície - altura em que Seis Sessões começa a “perder o pé”, não por contar uma história de amor impossível mas porque, ao recusar as convenções do melodrama inspiracional, deixa-se cair (talvez sem ter inteira consciência disso) nas convenções do melodrama do amor impossível.

Se não houvesse a questão do sexo e o modo desenvolto como ele é abordado, podia estar aqui um dramalhão à Nicholas Sparks. Que, felizmente, Lewin consegue evitar, também por grande mérito dos actores - para além da “perninha” de William H. Macy num padre truculento, temos a demasiado rara Helen Hunt como a terapeuta sexual (nomeada justamente para o Óscar, mas inexplicavelmente como melhor secundária e não como melhor actriz principal) e, acima de tudo, John Hawkes, um dos grandes secundários americanos actuais (vimo-lo em Despojos de Inverno, vamos vê-lo em breve em Lincoln) num raro papel principal. Onde, só com os olhos e o rosto, faz deitado quase todo o filme aquilo que muitos não conseguem nem com o corpo todo (e se houve alguém “roubado” nas nomeações deste ano para os Óscares, é ele). São eles que ajudam "Seis Sessões" a valer mais do que as aparências, e a justificar a atenção que em mãos menos atentas o filme não mereceria.

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