Atribulações de um israelita na Roménia

Não chega a ir longe, mas é um filme que não perde a dignidade nem a humildade da sua ausência de "truques"

O cinema israelita, se não é um perfeito desconhecido em Portugal, anda lá perto. E o que chega ao circuito comercial português, por norma, ou traz lastro (o lastro das desventuras dos israelitas com os seus vizinhos, como "Valsa com Bashir" ou "Líbano") ou arrisca-se a não chegar de todo (abstraindo-nos aqui dos filmes palestinianos, como os de Elia Suleiman, que também são, parcial e tecnicamente, israelitas). De memória, lembramo-nos de um filme cá estreado há poucos anos, "Asas Cortadas" (de Nir Bergman), passado em Haifa, sem nenhuma alusão directa ao terrorismo ou à política - e não há de certeza mais meia-dúzia de exemplos semelhantes a dar.


"A Viagem do Director", dirigido por um realizador veterano (Eran Riklis, nascido em 1954) e já com uma longa história de popularidade junto do público israelita, é mais nesta linha. Há um atentado na raiz do problema narrativo, mas é tudo. Tanto assim que depois de uma primeira parte ambientada em Jerusalém (sem clichés: até há uma cena num cemitério cristão ortodoxo) se parte para alhures, trocando-se o sol do Médio Oriente pela neve do inverno da Roménia, onde o filme se transforma em "road movie".

E vão para a Roménia porquê? Porque o "director" do título, responsável pelos recursos humanos de uma grande padaria de Jerusalém, se esqueceu de dar pela falta de uma funcionária, imigrante romena, apanhada na explosão de uma bomba. É um jornalista que a descobre, está a mulher há semanas na morgue à espera que alguém venha identificar o cadáver, e a decorrente "má imprensa" força a padaria a tomar medidas. Com pompa e circunstância, o director (que anda um bocado perdido na vida) é enviado para os confins da Roménia, em representação oficial da padaria no funeral da mulher.

Acrescem depois as dificuldades burocráticas, o encontro com a disfuncional família da defunta (o ex-marido e o filho, vândalo adolescente), os preciosismos da cônsul israelita (e do seu marido romeno), as dificuldades de locomoção (a carripana do consulado cai de podre) - e isto tudo junto dá um "road-movie" com caixão na bagageira, divertido com os seus toques absurdistas e suficientemente humano para prestar detalhada atenção à composição de todas as personagens (que são o melhor do filme). Não chega a ir muito longe e a certo ponto começa a empastelar um bocadinho, mas não perde a dignidade nem a humildade da sua ausência de "truques" ou outras cartas na manga. Será dispensável, presumimos, acrescentar que não há presentemente muitos filmes em exibição de que se possam referir coisas como estas - dignidade, humildade, etc.

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