Avôzinho diz-me tu

O cinema português continua em busca de um novo "Crime do Padre Amaro" ou "Filme da Treta", outro sucesso ao nível dos "blockbusters" internacionais, mas os distribuidores já ficam todos contentes porque "Dot.com", de Luís Galvão Teles, fez até agora 25 mil espectadores (segundo o ICAM), número que seria considerado um desastre para um qualquer filme médio estrangeiro mas que para uma produção nacional é um sucesso. Para lá de "Dot.com", 2007 trouxe estreias nacionais que poderiam ter agradado a um público alargado - desde o razoável (como "O Mistério da Estrada de Sintra", de Jorge Paixão da Costa, que fez 11 mil espectadores nas primeiras duas semanas) ao muito fraco ("Suicídio Encomendado", de Artur Serra Araújo, que não chegou aos três mil durante a sua carreira). Comparemos com dois filmes que chegaram internacionalmente com grandes expectativas e que ficaram aquém do que se desejaria comercialmente: "Dreamgirls" teve "apenas" 76 mil espectadores e "O Labirinto do Fauno" ficou-se pelos 40 mil...

A este lote de estreias nacionais vem-se agora juntar "Atrás das Nuvens", primeira longa paracinema de mais um realizador formado na escola do "pronto-acomer" televisivo, Jorge Queiroga. Ainda não é desta que se descobre um grande filme português"mainstream" - até parece que é um objectivo impossível, o que "O Milagre Segundo Salomé", de Mário Barroso, ou "Alice", de Marco Martins, já desmentiram... - mas esta produção modesta, rodada emdigital de alta definição, é um objecto simpático e despretensioso, mesmo que muito frágil, quemereceria encontrar um público. História de um miúdo curioso e desempoeirado, órfão de pai, que parte sozinho em busca do avô paterno que nunca conheceu e cria com ele uma cumplicidade mágica ao longo de alguns dias de férias de Verão, faz pensar no "Adeus, Pai" de Luís Filipe Rocha, com o qualpartilha a ideia de um menino que aprende a conhecer um familiar que até aí lhe era desconhecido, emboraacabe por se distanciar desse outro filme, em parte pelas debilidades de um argumento ocasionalmentedemasiado esquemático e cheio de "buracos" muito convenientes para não "travar" a narração. E,sobretudo - e isto é pecha de muita desta tentativa de produção de "mainstream", talvez por os seusautores terem passado demasiado tempo a fazer televisão -, há aqui pouco de verdadeiro cinema e muito de telefilme anónimo e funcional, que encara o grande écrã apenas como um pequeno écrã ampliado.

Mas, se não se sente uma personalidade de realizador em "Atrás das Nuvens", sente-se uma bem-vinda sobriedade, a noção exacta da história que se quer contar e do modo como se quer contá-la, ainteligência de não a empolar nem de cair em histrionismos fáceis (seria tão fácil...), e a capacidade de deixar o filme nas mãos dos actores para compensar o que falta no argumento. A esse nível, está aqui um produto limpinho, que tem o bom senso de voltar a provar como Nicolau Breyner apenas melhora com a idade e continua a ser o nosso melhor (o nosso grande?) actor de cinema, com a sua classe (e a de algumas presenças discretas e seguras como José Eduardo e Carmen Santos) a levantar a fasquia.A sua relação com o miúdo Ruben Leonardo e a empatia que ambos sentem e que lhes permite partilhar os sonhos mágicos que o velho Citroen "boca de sapo" invoca ajuda e muito a sustentar a verosimilhança e a credibilidade do filme (o que não seria necessariamente evidente). "Atrás das Nuvens" acaba por ser escorreito e eficaz o suficiente para fazer esquecer as debilidades do argumento, engendra um assinalável capital de simpatia que consegue não desbaratar. Já não é nada mau.

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