Robin Williams, contador de histórias

Robin Williams entrou no panteão dos comediantes americanos pela sua capacidade mimética, igualzinho ao original desenhado, em "Popeye" (1980) de Robert Altman, ou pela sua prodigiosa capacidade de debitar texto a uma velocidade supersónica em "Bom-Dia Vietname (1987) de Barry Levinson, espécie de Bob Hope com graça (que era coisa que o dito cujo não tinha) e com uma invejável versatilidade.

Definitivamente lançado para o estrelato com o inesperado sucesso de estima "O Clube dos Poetas Mortos" (1989) de Peter Weir, não mais deixou de alternar as rábulas de virtuoso, como no excelente, embora amaneirado, travesti de "Mrs. Doubtfire", com prestações "sérias" em filmes dramáticos, de escrita coerente e cuidada.

Este "Uma Voz na Noite", filmezinho simpático com tiques de "thriller" psicológico que nunca chega a desenvolver por completo, tem, antes de mais, a vantagem de contar com um Williams em registo sóbrio e inteligente, construindo a personagem de radialista, contador de histórias e presença constante na vida dos que o ouvem, enquanto exorciza os seus fantasmas pessoais. Homossexual, abandonado pelo companheiro, seropositivo, com quem mantinha uma relação de protecção e de exploração ficcional, o "boneco" de Robin Williams desdobra-se numa outra história que sublinha o prazer da narrativa pela narrativa.

"Uma Voz na Noite" funciona sobretudo como filme de argumento, de tal forma o peso do escritor Armistead Maupin (universalmente famoso pela série televisiva "Tales of the City") se faz sentir sobre todo o labirinto de expectativas, que vai surgindo. Talvez por isso não haja grandes surpresas (cedo percebemos que a criança doente não passa de uma criação mental de uma cabeça perturbada), se exceptuarmos o "twist" final que vem, apenas, confirmar a regra: o que o filme pretende é enredar o espectador no acto narrativo, levando-o, em simultâneo, a aceitar o ponto de vista proposto, em que se inclui a naturalidade com que a homossexualidade aparece como dado adquirido e não como marca distintiva ou militante.

Do outro lado da estratégia diegética, situa-se a personagem de Toni Colette, construída com técnica assombrosa, quer de pose (a sua cega é perfeita), quer de voz. E as oscilações das peripécias dependem sempre desse total equilíbrio/desequilíbrio entre os dois actores. Há ainda uma magnífica capacidade para captar ambientes, sobretudo o da pequena cidade perdida no Wisconsin, com as suas cumplicidades e desconfianças.

Que falha então? O filme contenta-se com o seu artificioso aparato expressivo, renunciando a aprofundar personagens e relações. Fica o tom de crónica, em detrimento de confrontos dramáticos. Sugere-se e explica-se psicanaliticamente um estado mental. E tudo se suspende numa quase anedota ilustrada, que faz voltar a acção a uma espécie de novo princípio. Como um bem executado exercício de estilo.

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