Paris, Texas

Uma figura enigmática surge do nada, em pleno deserto americano, na fronteira entre o estado do Texas e o México. É Travis (fabuloso Harry Dean Stanton, eterno secundário, por uma vez protagonista), um homem de barba desgrenhada, de fato e gravata e boné de basebol, sujo e de olhar angustiado e perdido. A sua caminhada, aparentemente sem rumo, é interrompida quando desmaia, desidratado, num bar à beira da estrada, algures no Sul do Texas.

O irmão, Walter (Dean Stockwell), é contactado e viaja de Los Angeles ao encontro de Travis, que todos julgavam morto, após ter desaparecido quatro anos antes, sem deixar rasto, abandonando a mulher (Nastassja Kinski, num dos seus papéis mais marcantes e o filho de 7 anos (Hunter Carson). A princípio, Travis não parece lembrar-se (ou, pelo menos, não o quer fazer) de muito do seu passado e vai rejeitando as tentativas de reaproximação de Walter, algo que passa inclusive pela recusa em falar.

Até que aos poucos, à medida que a longa viagem de regresso a L.A. se aproxima do fim, acaba por regressar ao mundo dos vivos, algo que começa na recordação de um terreno baldio comprado há muito tempo na cidadezinha de Paris, no Texas, e termina num desejo quixótico e recuperar a vida que deixara para trás...

Depois de um conjunto de grandes filmes recentes, a série Y prossegue com um título de culto dos anos 80, que é também uma estreia, entre nós, em DVD: "Paris, Texas" (1984), de Wim Wenders. É uma das melhores obras do realizador alemão (cuja carreira já conheceu melhores dias), talvez a que cristaliza de forma mais notável dois dos motivos centrais do seu cinema, a ideia de errância - de que "Movimento em Falso" (1975) ou "Ao Correr do Tempo" (1976) são óptimos exemplos - e o fascínio pela América e os seus mitos.

Escrito por Sam Shepard (e baseado numa história adaptada por L.M. Kit Carson, o pai do jovem Hunter), o filme conjuga os temas da alienação e raiva tão caros ao dramaturgo com a atracção de Wenders pelo "road movie" (já se sabe, género americano por excelência), ao mesmo tempo que nos vai fornecendo as peças do "puzzle" da desagregação de uma família.

Palma de Ouro em Cannes (entre os inúmeros prémios conquistados), fica como uma experiência cinematográfica inesquecível, a que não será alheia a síntese sublime entre a música lancinante de Ry Cooder e a fotografia superlativa de Robby Müller.

Sugerir correcção
Comentar