Geração esquecida: 262 mil desempregados têm 45 ou mais anos

Nos últimos três anos, foi neste grupo que o desemprego mais cresceu. Mas o mais preocupante é que 75% destes desempregados procuram trabalho há mais de um ano e 78% não foram além do ensino básico, mas o peso dos licenciados aumentou. O que fazer com esta herança de três anos de troika?

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Raquel Rato, de 43 anos, espera um estágio Sandra Ribeiro
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Fernando Jorge, de 50, criou uma empresa Adriano Miranda

Têm 45 ou mais anos – alguns nem isso – e foram empurrados para fora do mercado de trabalho no auge da sua vida activa. Têm experiência, mas falta-lhes a juventude e as elevadas qualificações, que são requisitos comuns nos anúncios de emprego. Mas também há quem acumule licenciaturas, mestrados e doutoramentos e nem assim consiga voltar a trabalhar. Revoltam-se contra a “ociosidade forçada” a que parecem condenados. Há quem perca a esperança de voltar a ter um emprego. Há quem não desista de contrariar a ideia de que em Portugal, que ameaça tornar-se num país de velhos, não há lugar para os que, bem vistas as coisas, ainda nem sequer são velhos.

No primeiro trimestre de 2014, o Instituto Nacional de Estatística registou 262 mil desempregados com 45 ou mais anos. Destes, 75% são considerados desempregados de longa duração, porque procuram trabalho há mais de um ano, e 78% não foram além do ensino básico. Os números são agora bem mais elevados do que os 209 mil (65% dos quais eram de longa duração) verificados no início de 2011, poucos meses antes de a troika entrar em Portugal. O desemprego dos seniores representa mais de 33% do total de desempregados (em 2011 eram 31%) e é, a par do desemprego jovem, uma das mais pesadas heranças deixadas pela passagem da troika por Portugal.

Durante 12 anos, Margarida (nome fictício, porque diz ter vergonha de estar desempregada) foi secretária num organismo público. No Verão de 2012, um ano depois da assinatura do memorando, foi confrontada com uma situação que nunca imaginou: o serviço foi extinto no âmbito de um programa de redução dos serviços do Estado e ficou desempregada. Com o 12.º ano e algumas formações no currículo, essas qualificações ficam muito aquém dos requisitos pedidos pelos anúncios. No currículo consta ainda outra informação que lhe dificulta o regresso ao mercado de trabalho: o facto de ter 53 anos.

Margarida diz que ainda tem muito para dar, mas em quase dois anos de desemprego não conseguiu mais do que um contrato emprego-inserção numa escola. Está a “adorar” a experiência e, embora veja que faz falta na secretaria onde trabalha, sabe que quando o contrato terminar, em Agosto, voltará à inactividade. Olha para o futuro “com muita apreensão e revolta”. O subsídio de desemprego termina no próximo ano. “E depois?”, pergunta.

Paula (que também prefere manter o anonimato), licenciada em Sociologia, de 52 anos e a trabalhar desde os 18, também faz parte deste grupo. A empresa de marketing de que era proprietária não resistiu à quebra da procura e entrou em insolvência. Sem direito a subsídio de desemprego e com dívidas para pagar, mudou-se para casa de um dos filhos. Está assim desde 2011, mas tem um prazo para dar a volta: “Deste ano não passa. Tenho de encontrar uma base de rendimento que me permita deixar de viver à custa dos meus filhos”.

Nas entrevistas a que já foi, a barreira é sempre a mesma: “Sou ‘velha’”. E lembra um caso recente em que foi considerada a pessoa com a experiência e a formação adequadas ao lugar a que concorreu. “Mas havia um factor que não estava a meu favor: a idade. Nunca mais disseram nada”, conta.

Não é de baixar os braços e ir trabalhar para o estrangeiro é uma das hipóteses que está a colocar. Está inscrita em vários portais de emprego nacionais e internacionais, tem feito várias formações e trabalha num call center à noite. Criar outro projecto próprio é um dos caminhos que admite seguir.

O empreendedorismo foi precisamente a solução encontrada por Fernando Jorge, engenheiro do ambiente, de 50 anos, para voltar ao mercado de trabalho. Depois de 15 anos a leccionar na Universidade Fernando Pessoa, foi apanhado num processo de reestruturação no início de 2013. “Ainda não tinha assinado a rescisão, e já procurava na Internet informação sobre os apoios ao empreendedorismo”.

Pediu a antecipação de parte do subsídio de desemprego e abriu uma empresa de remodelações em Aveiro (a Casa Melhor), pondo em prática a experiência que antes apenas servia aos amigos e à família. Até aqui o negócio está a correr dentro do previsto, mas reconhece que, no contexto actual, qualquer projecto corre riscos. O empreendedorismo é uma das soluções que as políticas públicas têm para oferecer aos desempregados, mas entre os que falaram com o PÚBLICO muitos lamentam que os apoios se dirijam sobretudo aos jovens. “Não queremos fazer estágios”, lamenta Paula.

Sem soluções
Francisco Madelino, ex-presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional, defende que a política de emprego tem de se preocupar tanto com os jovens e com os sectores qualificados como com os mais velhos e menos qualificados, tentando reconvertê-los para outros sectores. “O Governo praticamente abandonou a segunda parte do problema. Desinvestiu muito na qualificação de adultos e concentrou-se mais nos jovens e nos apoios ao emprego e à contratação”.

“É preciso valorizar a experiência”, resume, por outro lado, o psiquiatra Pedro Afonso, que tem acompanhado estas temáticas.

Margarida é muito crítica em relação à forma como o Estado responde às pessoas que estão na sua situação. “Somos chamados com frequência para aprender a fazer um currículo e a ter postura numa entrevista. Com a minha idade, acho isto um atentado à inteligência”.

A classificação dos desempregados com 45 ou mais anos não tem uma fronteira definida. Não é só a partir daí que a idade é uma barreira na hora de entrar no mercado de trabalho. O problema começa bem antes. Mila Castro, de 39 anos, diz que tinha 28 anos na primeira vez que foi confrontada com esse critério. É, juntamente com mais oito pessoas, uma das promotoras da petição Contra a Discriminação Etária nos Anúncios de Emprego, lançada em Abril e que contava, ontem, com 544 assinaturas.

A crise trouxe consigo uma outra realidade: o peso dos licenciados no desemprego de longa duração subiu de 10,4% para 13,4%, nos últimos três anos. Arrastar-se na inactividade é o receio de Raquel Rato, de 43 anos, duas licenciaturas no currículo e um doutoramento em Cinema. Nunca teve um contrato permanente na vida. Trabalhou “a recibos verdes”, foi bolseira da FCT e desde Janeiro, depois de ter terminado o doutoramento em Cinema em Paris, procura uma saída ou, melhor, uma porta de entrada para o mercado de trabalho. Na primeira vez que falou com o PÚBLICO, confessa, o desespero começava a instalar-se. Tinha acabado de ficar em segundo lugar num concurso para dar aulas num politécnico. “Nunca imaginei que fosse tão difícil”, confessa. Duas semanas volvidas, decidiu voltar a pôr em cima da mesa a possibilidade de voltar à investigação e está a preparar uma candidatura a um pós-doutoramento, que quer aliar com um estágio.

A “ociosidade estéril”
Se há uma coisa que os desempregados com que o PÚBLICO falou têm em comum, é recusarem ficar parados ou, como diz o psiquiatra Pedro Afonso, “condenados a uma ociosidade estéril”. O professor na Faculdade de Medicina de Lisboa não tem dúvidas de que quem cai no desemprego com 40 anos é como se estivesse a ser “condenado a uma ociosidade forçada e estéril”. E nem todos lidam com essa circunstância da mesma forma.

São cada vez mais os casos de depressão, associados ao desemprego e à redução dos rendimentos, que lhe chegam ao consultório. “Criou-se em todas as pessoas, estando empregadas ou desempregadas, um sentimento de insegurança em relação ao futuro. A capacidade de planeamento está muito dependente de saber se vamos ter um emprego ou se teremos direito a uma reforma”, sublinha. “Há uma ausência de quantificação do sofrimento que esta crise provocou e com o qual me confronto todos os dias. É como se um país inteiro estivesse a viver dentro de Wall Street e a vida das pessoas estivesse dependente dos altos e baixos do mercado”. Pedro Afonso confessa que por vezes “lhe começam a faltar as palavras de encorajamento”. O importante, diz, é valorizar as coisas positivas, como, por exemplo, a possibilidade de dedicar mais tempo aos filhos.

Estar com os dois filhos é o único “proveito” que Ana, licenciada em Psicologia, de 44 anos e desempregada há dois anos e meio, retira “do jejum de trabalho”. “Conheço-os hoje muito melhor”, diz num testemunho escrito ao PÚBLICO. Porém, há um vazio: “Faz-me falta o stress das decisões, o café da manhã com os colegas, planear o trabalho da equipa, as entrevistas de recrutamento”. Mas, remata, “não sou recém-licenciada, não procuro estágios, não tenho idade até 25 anos, não tenho profundos conhecimentos em três línguas”.

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