CNE aprova à tangente o "sim" à reunião do Governo e conferência do BCE

Decisão da Comissão Nacional de Eleições foi tomada por maioria dos seus membros. BE já avisou que vai continuar a contestar, PSD congratula-se com fim dos "casos e casinhos" na campanha.

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Enric Vives-Rubio

Têm luz verde. Nem o Conselho de Ministros extraordinário de dia 17, a meio da campanha eleitoral, nem a conferência do BCE que começa dia 25, data das eleições, violam dos deveres de neutralidade e imparcialidade que o Governo e as outras instituições internacionais como a Comissão Europeia e o FMI estão obrigadas por esta altura, decidiu esta terça-feira a Comissão Nacional de Eleições (CNE).

A CNE votou, por maioria de seis contra quatro, as duas deliberações sobre as queixas do Bloco e da CDU contra a reunião dos ministros que vai aprovar a nova estratégia de médio prazo do Governo e a conferência do BCE que se realiza entre os dias 25 e 27 em Sintra. No caso do BCE a CNE decidiu “não dever intervir” porque “não se encontra em causa matéria eleitoral”. Sobre o Conselho de Ministros considerou que “não existe violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas a que o Governo está vinculado, pelo que não poderá haver lugar a qualquer intervenção [da CNE]”.

O PÚBLICO apurou que os votos contra vieram dos representantes da oposição naquela comissão – PS (Domingos Farinho, que só votou a deliberação do BCE), PCP (João Almeida), BE (Carla Luís) e Verdes (Álvaro Saraiva). Além dos representantes dos cinco partidos, eleitos pela Assembleia da República, a CNE integra um presidente designado pelo Conselho Superior de Magistratura e três membros designados por departamentos governamentais ligados ao processo eleitoral.

E também soube que a decisão final sobre o BCE foi diferente da que tinha sugerido o departamento jurídico da CNE, que apesar de propor a aprovação também incluía um apelo à organização para que não fossem feitas quaisquer declarações durante o período de abertura das urnas.

Os dois assuntos deram azo a acesas discussões na reunião de ontem e na anterior, onde já se discutiu o caso do BCE e houve mesmo diversas declarações de voto que serão divulgadas a curto prazo. João Almeida, porta-voz da CNE admitira na segunda-feira à Lusa que “em abstracto, comportamentos dessa natureza durante um período de campanha eleitoral, sem haver razões especiais que os possam fundamentar (...), não é muito leal”.

Ao PÚBLICO, João Almeida, que também representa o PCP na CNE recusou ver na declaração uma “pré-decisão”. E vinca: “É normal que a CNE tenha dúvidas; se não tivesse dúvidas não analisava e a resposta seria imediata.” O politólogo António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais, considera que “por princípio a CNE deve ter alguma reserva e deve pronunciar-se apenas formalmente e quando lhe é pedido”.

A decisão da CNE foi tomada na sequência das queixas apresentadas segunda-feira pela CDU e pelo BE, depois de terem conhecimento da convocação do Conselho de Ministros extraordinário no próximo sábado. Foi Pedro Passos Coelho que o anunciou na passada quinta-feira, durante a reunião para fazer o balanço dos três anos de troika que, disse, foi antecipado para não perturbar a campanha e cumprir o “seu dever estrito de imparcialidade”. Mas logo a seguir afirmou que o Governo iria “encontrar uma forma simbólica e apropriada para marcar formalmente o fim do programa” e aprovar, como fez a Irlanda, “um documento de estratégia de médio prazo”.

Já a data da conferência do BCE foi marcada no final de Agosto do ano passado, quando já se sabia desde Novembro de 2012 que as eleições europeias deveriam ser antecipadas em relação a 2009 para entre 22 e 25 de Maio.

"Este Conselho de Ministros claramente exorbita as funções de mera actividade regular que a lei atribui a um Governo nas circunstâncias que atravessamos", afirmou o cabeça de lista da CDU, João Ferreira. Também Marisa Matias criticou na altura a iniciativa, dizendo que a direita está a usar "as instituições do Estado e os dinheiros públicos" para fazer "propaganda".

A coligação que reúne PCP, Os Verdes e Intervenção Democrática foi a primeira a apresentar um protesto após o porta-voz da CNE ter admitido dúvidas sobre a possibilidade do Conselho de Ministros dedicado à "estratégia de médio prazo" poder violar a regra da imparcialidade das entidades públicas durante as campanhas eleitorais - uma questão, aliás, levantada por Marcelo Rebelo de Sousa no domingo passado.

Questionado pela CNE, o Governo respondera por escrito, garantindo que a escolha de 17 de Maio para o Conselho de Ministros extraordinário foi ditada pela intenção de assinalar o momento exacto em que se cumprem os três anos do programa de resgate financeiro a Portugal. E o executivo afastou qualquer ligação à campanha em curso para as eleições europeias.


Rangel congratula-se com fim dos "casos e casinhos"
O cabeça de lista da Aliança Portugal (PSD/CDS), Paulo Rangel, congratulou-se com o facto de a CNE ter considerado legítima a realização do Conselho de Ministros extraordinário do dia 17. O candidato social-democrata desafia o PS a debater agora “a agenda europeia”.

“É uma decisão que induz alguma serenidade na campanha. Espero que tenha acabado esta campanha de casos e casinhos a que se dedicou o PS e a esquerda, e que não permite que se discuta questões substantivas”, afirmou Paulo Rangel, à margem de uma visita a uma fábrica em Alcobaça. O número um da lista PSD/CDS criticou a atitude do PS de “ir à boleia” do PCP e do BE, sem “assumir as responsabilidades" e sem apresentar queixa, ao contrário destes duas últimas forças políticas. O cabeça de lista socialista, Francisco Assis, disse na segunda-feira que o PDS, embora não pretendesse apresentar queixa à CNE, considerava a marcação daquele Conselho de Ministros extraordinário para o período de campanha "um acto obsceno".

Por seu turno, Nuno Melo voltou a criticar a CNE por ter “insinuado” dúvidas em torno da realização do Conselho de Ministros no dia de saída do programa. “Se as questões não tivessem sido suscitadas, lançando ruído, não estaríamos a perder tempo”, afirmou o candidato indicado pelo CDS.

Nuno Melo insistiu nas críticas aos socialistas, mas usando a carta que António José Seguro enviou aos militantes na qual apela ao voto para acabar com a política de austeridade. O centrista espera que os eleitores percebam que quem “significa a austeridade" é o PS, por este ter negociado e subscrito o memorando da troika.

PS convencido que “portugueses não se deixarão enganar”
Por seu lado, o cabeça de lista do PS, Francisco Assis, reagiu à decisão da CNE assumindo a convicção de que os eleitores saberão discernir o que está em causa na organização de um Conselho de Ministros Extraordinário a 17 de Maio. “Os portugueses não se deixarão enganar”, afirmou depois de ter dito que continuava “a considerar que [a iniciativa do Governo] se insere numa campanha indevido que o Governo está a fazer”.

Por isso acrescentou que o PS não tencionava “transformar isto num caso de campanha”. Durante a manhã, o candidato socialista reagira antes ao desafio para celebrar a saída da troika de Portugal. “Não tenciono celebrar nada”, afirmou num almoço em Belmonte, lembrando o “país empobrecido” que resultava de três sob Programa de Assistência.

Bloco não se conformará
Depois de conhecer a decisão da CNE, Marisa Matias garantiu que o partido vai "continuar a contestar a realização destes eventos", porque "é o centro da campanha que aqui está". Realçando que o Bloco respeita a decisão da CNE, a cabeça de lista diz que discorda dela por entender que "a troika - que é aquilo que está em causa - não está nem dentro, nem fora das eleições europeias. É o centro da campanha."

"Eu sei que a decisão não terá sido unânime e terá dado azo a uma grande discussão. Mas é a decisão final", considerou a candidata bloquista, vincando que a razão da queixa se mantém. Ao Bloco de Esquerda resta agora o "confronto político", por considerar estar perante "uma afronta para os portugueses que irão votar no dia 25". "É uma humilhação que está a ser feita ao povo português, ainda por cima com a contribuição de um outro português, com o nome de Durão Barroso", concluiu, referindo-se à conferência do BCE.

Tanto a CDU como o BE também protestos, junto da CNE, contra o início, no dia das eleições, da conferência sobre bancos centrais, em Sintra. A conferência “Política monetária num contexto financeiro em evolução”, promovida pelo Banco Central Europeu, contará com as presenças de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, e Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia - as três instituições que compõem a troika de credores de Portugal.
 

   

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