Entidades intermunicipais ainda estão a ver se é desta

Após oito meses de gestação, ainda não se sabe o que vai sair das Comunidades Intermunicipais e das Áreas Metropolitanas refundadas pela lei que entrou em vigor em Setembro.

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A Comunidade Intermunicipal de Aveiro é considerada uma das mais amadurecidas Adriano Miranda

Elas estão aí, têm órgãos eleitos, mas continuam a ter uma existência demasiado discreta, atendendo aos objectivos que lhes foram traçados. Idealizadas em 2003 pelo então ministro Miguel Relvas, e refundadas, há oito meses, pelo actual Governo, que Relvas também integrou até Abril do ano passado, as Entidades Intermunicipais (EI) - Comunidades Intermunicipais (CIM) e Áreas Metropolitanas (AM) - foram lançadas em nome da descentralização. E houve quem sonhasse ou temesse que acabassem por enterrar a regionalização, por inutilidade superveniente. Não aconteceu uma coisa nem outra.

Quem o diz é Ribau Esteves, autarca de Aveiro, destacado militante do PSD e presidente da Comunidade Intermunicipal da Ria de Aveiro (CIRA), que tem sido apontada como a mais avançada do país. “Ainda não houve, por parte do Governo, uma aposta consequente na descentralização”.

Ribau Esteves afirma que a Lei 75/2014 manteve “todo o espaço” para a transferência de competências – assim haja vontade. E pouco mudou relativamente ao que já existia e à versão que o Tribunal Constitucional chumbara quatro meses antes. A lei actual deixou claro que as EI só podem assumir competências contratualizadas e são de adesão livre. Ainda assim, os municípios que não aderirem ou abandonarem as EI vêem prejudicadas as hipóteses de acederem aos fundos comunitários. A nova lei manteve as duas AM de Lisboa e Porto e reduziu as CIM de 23 para 21. Com a revisão das NUT (unidades territoriais para efeitos estatísticos) III já aprovada por Bruxelas, a coincidência destas com as EI será perfeita.

É a crise que impede as CIM de porem as rodas das EI no chão? “Isso é a conversa dos centralistas”, rejeita de imediato Ribau. Para o presidente da CIRA, os municípios já demonstraram que são capazes de prestar os mesmos serviços que a Administração Central, com menos dinheiro e sem perdas de qualidade.

Presidente do Instituto do Território (IT), Rogério Gomes lamenta a inexistência de dados sobre as EI. “Temos que esperar para ver”. Também membro da Comissão Política Nacional e director do Gabinete de Estudos do PSD, lamenta que o Governo tenha recusado pagar os 12 mil euros que o IT pedia para testar na CIM do Baixo Alentejo algumas “matrizes” de descentralização. “Sem estudos, caímos no voluntarismo de Sócrates, que queria descentralizar tudo e acabou por fazê-lo no transporte escolar e pouco mais”, avisa.

Para o investigador, a política de desenvolvimento regional não deve começar à escala da região – que não é a do pequeno e médio empresário –, mas à da EI. Aliás, se dependesse de si, as EI arrancariam só com competências “económicas”.

Ex-secretário de Estado do Ordenamento do Território num Governo de José Sócrates e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, João Ferrão considera “frágeis” as soluções encontradas para as CIM e AM. No caso das primeiras, vê uma “potencial tensão” ou “ascendente” indesejáveis entre o presidente e o secretário executivo, por vezes o antigo presidente da câmara mais importante da CIM. João Ferrão preferia que a lei exigisse ao secretário um “perfil técnico”. “Nas AM, penso que caminhamos no sentido de um consenso sobre a eleição directa do presidente”.

Fernando Ruivo, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, também não sabe ainda o que dizer das EI. “Pode ser que pegue, Deus queira”. Mas não está optimista, receia que falte a transferência de meios. “A AM de Bordéus tem 4 mil funcionários, a do Porto tem quatro”, compara. Mas acredita que os municípios se vão organizar para não perderem o comboio dos fundos europeus.

Como se o tivesse ouvido, o presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, Manuel Machado, declarou, por escrito, ao PÚBLICO: “Os municípios estão empenhados na cooperação intermunicipal e consideram que devem ter uma maior participação na gestão do próximo quadro comunitário Portugal 2020”.

Mas faz uma ressalva: as AM e as CIM “não substituem as regiões, pois não têm nem a dimensão territorial nem a legitimidade democrática que as regiões deverão vir a ter”.

Prémio para as melhores
As CIM e as AM que conseguirem melhorar os seus índices de desenvolvimento vão ter direito a um aumento de 50% e de 25% nas transferências do Orçamento de Estado em 2016, num valor global estimado de 15 milhões. Este é um aspecto da Lei 75/2012 que o secretário de Estado da Administração Local destaca para enfatizar que as EI terão todo o interesse em cooperar. O grande incentivo, claro, é o acesso aos fundos europeus. Leitão Amaro rejeita que as EI estejam adormecidas. Afirma que têm estado a tratar dos planos e projectos a submeter às autoridades de gestão dos fundos.

Pretende-se acabar com a lógica de um município reivindicar equipamentos que já existem logo a seguir à sua fronteira e com a “Fefização” dos fundos europeus – a distribuição cega, por concelho, como se de verbas do Fundo de Equilíbrio Financeiro (transferências do Orçamento de Estado a que as autarquias têm direito) se tratassem.

Leitão Amaro lamenta a “acusação injusta” feita à Lei 75/2012 de ter criado “prateleiras douradas” para autarcas “tapados” pela lei de limitação de mandatos, ao permitir que os órgãos executivos das CIM e das AM tivessem até três e cinco membros. “Não houve corrida aos cargos, na maior parte dos casos continuou quem já estava e há meia dúzia de casos em que se aproveitou a experiência de excelentes autarcas”. “Também são as pessoas que fazem as instituições”, nota Leitão Amaro, que não comenta o desinvestimento que o presidente da Câmara do Porto, o independente Rui Moreira, fez na AM do Porto, para apostar na Frente Atlântica do Porto que criou com Gaia e Matosinhos.

 

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