A reconciliação do passado e uma mensagem para o futuro

Os três ex-Presidentes da República voltaram convergir na condenação da austeridade, no dia em que Ana Maria Caetano, filha de Marcello Caetano, e Otelo Saraiva de Carvalho se conheceram e cumprimentaram. Quarenta anos depois do que os separou.

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Ana Maria Caetano e Otelo cumprimentaram-se, num momento cheio de simbolismo António Pedro Ferreira
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Miguel Manso
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Uma semana depois, dois auditórios da Gulbenkian voltaram a encher-se para ouvir falar do 25 de Abril de 1974. Desta vez, para a conferência A Ditadura Portuguesa - porque durou, porque acabou. O encerramento juntava os três ex-Presidente eleitos em democracia: Eanes, Soares e Sampaio. Eles que, no passado dia 14, protagonizaram um encontro público inédito, e cheio de significado político. Mas não houve déjà vu.

Uma hora antes de os outrora desavindos Presidentes voltarem a sentar-se à mesma mesa, aconteceu “um momento sublime de reconciliação”, assim descrito por Eduardo Lourenço. O tema era O Marcelismo e a Transição para a Democracia e juntava, na mesma mesa, embora em cadeiras afastadas, Ana Maria Caetano, psicóloga, que retratou Marcello enquanto “pai, cidadão e professor” e Otelo Saraiva Carvalho. O testemunho seguinte era o do responsável do movimento dos capitães pelas operações que ditaram a queda do regime que Caetano chefiava, há precisamente 40 anos, na madrugada de 25 de Abril de 1974.

Ana Maria e Otelo nunca se tinham cruzado. Como se diz, à nossa maneira imprecisa, “não se conheciam”. Claro que se conheciam, de nome. E até de nome de código, uma vez que aquele "Óscar" que comandava a revolta sabia que Marcello tinha uma filha Ana Maria, e esta viria a saber que aquele capitão era o autor da "Operação Fim-Regime" que levou a sua família para a Madeira e para o Brasil. Nada disso impediu que aceitassem o convite que lhes foi feito por José Pedro Castanheira, jornalista, que organizou o encontro da Gulbenkian. Sabiam que iam estar juntos, na mesma mesa.

Otelo, no fim, decidiu cumprimentar Ana Maria Caetano. Ela estendeu-lhe a mão. Ele a cara. Beijaram-se. Quarenta anos depois. “É uma lição de respeito e tolerância. Que sirva de exemplo”, conclui José Pedro Castanheira.<_o3a_p>

Da mesma forma como, no reencontro seguinte, Soares se levantou para cumprimentar Eanes, quando este deixou o púlpito. <_o3a_p>

O general foi o único a usar o púlpito, de resto. Levava uma intervenção escrita, volumosa, uma revisitação minunciosa da ditadura. Pôs os óculos e ajeitou-os dezenas de vezes, enquanto historiou. Quando arrumou os papéis e guardou os óculos no bolso do casaco, olhou a plateia de frente e falou do presente. Homenageou a Associação 25 de Abril, “presidida pelo voluntarista e determinado Vasco Lourenço”. E passou à crítica da “situação troikiana de angústia e desânimo”. Pediu “um futuro de utopia feito” e “uma democracia que o seja, realmente”. O que só é possível, garantiu, com “poucos desempregados” e uma “real igualdade”. <_o3a_p>

Soares falou de seguida. Mesmo a lembrar a história, a diferença para Eanes é evidente. O general é racional, analítico, Soares é intuitivo, político. Falou de improviso, dos “erros” de Salazar, das jogadas de xadrez que não couberam na apresentação “académica” de Eanes. E em alguns momentos, como quando elogiou o desprendimento do ditador em relação aos “dinheiros públicos”, a sala riu a bom rir. Voltou a dizer que não quer falar do presente, mas deixou escapar, à laia de paralelismo com o passado, que também agora “tanta gente pensa que isto vai continuar, mas estou convencido que não vai”.<_o3a_p>

Jorge Sampaio foi o último a ser eleito e, por essa razão “protocolar”, fala no fim. E do futuro. Com uma defesa das vantagens da “aposta europeia” de Portugal, Sampaio guardou uma parte importante da sua intervenção para um andamento - a imagem musical é sua - “grave, se não mesmo gravíssimo”. Criticou as instituições europeias, da Comissão ao “BCE incompleto”. E defendeu uma “terceira via” para a Europa, que não seja nem a saída do euro, nem a “política de austeridade sem fim à vista”. Foi ainda mais explícito: “As ortodoxias ideológicas, neo-liberais, têm dominado a Europa e têm falhado rotundamente”. Pediu um “novo pacto”, “social-democrata”, que combata “a pobreza e a desigualdade”. “A liberdade está em risco. Não há liberdade sem igualdade. Algo está a falhar na nossa democracia.” Pedindo que as próximas eleições europeias sejam o momento “para fazer renascer a esperança”, o ex-Presidente regressou a uma ideia que já Eanes usara: “Este presente não pode ser o nosso futuro.” A sala aplaudiu. Eanes cumprimentou-o, com um toque no braço.

Os ex-Presidentes parecem, pela segunda vez, de acordo no diagnóstico e numa parte importante da solução. O que vai sair disso, além da reconciliação? Será “um destino à altura do mito” do 25 de Abril, como desejou Eduardo Lourenço?

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