Governo avalia transferência de 4000 milhões de dívida da CP para o Estado

Inclusão da empresa nas contas públicas é a hipótese em análise. Mesmo que tal não aconteça, a CP só ficará com a parte do passivo que for capaz de pagar. Solução será fechada com a troika durante a actual avaliação.

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Apesar da redução dos custos operacionais, encargos financeiros continuam a crescer Nelson Garrido

A redução de custos na CP, transversal a todo o sector dos transportes, alimentou durante algum tempo a expectativa de que a empresa não tivesse de seguir as pisadas da Metro de Lisboa ou da Refer, que pelo desequilíbrio entre receitas e despesas tiveram de ser integradas no perímetro do Estado. Mas a lista das chamadas empresas reclassificadas, que pesam na dívida e no défice públicos, poderá aumentar em breve, com a inclusão da operadora ferroviária.

É esta a hipótese que o Governo está a testar, com o objectivo de encontrar, durante a 12ª avaliação da troika, uma solução definitiva para a dívida de 4000 milhões de euros da empresa, quase o mesmo valor que o Estado arrecadou com as recentes privatizações da ANA, EDP e REN.

O PÚBLICO apurou que a reclassificação da CP ainda em 2014 é considerada provável pelo executivo, embora ainda esteja em avaliação e em discussão com a autoridade estatística europeia, o Eurostat. Até ao início deste ano, o Governo afastava esta possibilidade, suportado no facto de a reestruturação da empresa ter permitido equilibrar o rácio entre os custos operacionais e as receitas próprias. O próprio Instituto Nacional de Estatística chegou a descartar esta hipótese, quando anunciou a inclusão de empresas como a Parpública e a EDIA.

No entanto, a variável encargos financeiros veio baralhar as contas. Nos últimos meses, a CP tem vindo a aumentar continuadamente a factura associada aos financiamentos, nomeadamente os custos com juros. E, por isso, no final de 2013 apresentava prejuízos financeiros de 206,5 milhões de euros, decorrentes de uma dívida superior a 3800 milhões.

Esta variável vai tornar-se determinante para a decisão de reclassificar empresas públicas, já que o novo método contabilístico que entra em vigor em Setembro (o SEC 2010) deixa de considerar como custos apenas os que decorrem da operação directa das empresas, passando a incluir nos cálculos os encargos financeiros.

Neste momento, ainda estão a ser feitas projecções quanto à evolução das despesas e das receitas da CP, de modo a tomar uma decisão definitiva sobre o rumo da operadora ferroviária, uma das poucas do sector dos transportes que escapou, até agora, à reclassificação. Mas tudo aponta para que seja incluída no perímetro do Estado, o que fará com que o passivo que acumula seja somado à dívida pública, como aconteceu no passado com a Metro de Lisboa e Refer.

A confirmar-se esta hipótese, a solução para a dívida da CP, que está a ser negociada há algum tempo entre a administração da empresa e o Governo e que a troika quer resolver até ao fim do actual programa de ajustamento, ficará fechada. Uma vez reclassificada, passará a financiar-se a condições mais favoráveis junto do Tesouro, ao qual caberá ir amortizando a dívida contraída pela transportadora junto da banca.

Além disso, é expectável que seja seguido o mesmo caminho que o Governo adoptou, a partir deste ano, para as empresas incluídas no perímetro: a conversão de empréstimos cedidos pelo Tesouro em capital. Só para 2014 estão previstas operações deste tipo num valor superior a 1800 milhões de euros.

Alternativa à reclassificação
Se a inclusão nas contas públicas não se confirmar, está a ser preparada uma alternativa que não terá resultados muito diferentes. De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, a intenção será retirar da CP a quase totalidade da dívida, permanecendo apenas a parte que a empresa consiga reembolsar com a sua actividade.

A decisão terá de ser tomada em breve, como notava o Fundo Monetário Internacional no relatório sobre a 11ª avaliação ao programa de ajustamento. “Está a ser desenvolvida uma nova estratégica para gerir a dívida [da CP], que será discutida em maior detalhe na 12ª avaliação” da troika, que começou na passada terça-feira, lia-se no documento. Contactada pelo PÚBLICO, a empresa não quis comentar.

O caso da CP é entendido como prioritário, já que, do universo de entidades que ainda não estão reclassificadas, é a que acumula a dívida mais elevada. Mas a intenção é que outras empresas, nomeadamente dos transportes, também sejam abrangidas pela estratégia de resolução do endividamento, que era, aliás, um dos compromissos assumidos com as autoridades externas no memorando de entendimento assinado em 2011.

De fora do perímetro também estão a Carris e a STCP, depois da reclassificação em série da Refer, Metro de Lisboa, Metro do Porto e, mais recentemente, da Transtejo. No entanto, as duas empresas que gerem a rede de autocarros no Porto e em Lisboa acumulam uma dívida muito menor do que a da CP: a Carris tinha um endividamento de 776,7 milhões de euros no final de 2013 e o da STCP atingia 396 milhões.

Fora do sector dos transportes, é esperada este ano a reclassificação da Parpública, a holding que gere as participações do Estado em empresas como a TAP, da EDIA e de algumas empresas municipais. No primeiro caso, apesar de o passivo atingir quase 5000 milhões de euros, prevê-se que o impacto na dívida pública não seja tão forte, visto que parte do endividamento será amortizado com receitas das privatizações que ainda não foram encaixadas.

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