Reforço policial na favela do Rio de Janeiro que se revoltou contra mais uma morte suspeita

Confrontos entre moradores e polícias da favela Pavão-Pavãozinho fizeram um morto e deixaram zona turística de Copacabana em estado de sítio.

Foto
A favela do Pavão-Pavãozinho é um das que foi "pacificada" pela polícia CHRISTOPHE SIMON/AFP

A Polícia Militar reforçou a presença na favela do Pavão-Pavãozinho, e o Governo do Rio de Janeiro garantiu o “empenho total” das autoridades na investigação à morte (suspeita) de um dançarino de 25 anos, encontrado com vários golpes no corpo numa escola da comunidade – um dia depois de a violência ter transbordado do cimo do morro até à zona turística de Copacabana.

A noite de confrontos violentos entre os moradores e os polícias do Pavão-Pavãozinho foi mais sinal da tensão “eléctrica” que se vive nas comunidades pacificadas do Rio de Janeiro e, segundo os críticos, do fracasso da política oficial de militarização das favelas. A morte de Douglas Rafael da Silva Pereira, que era conhecido como o DG do programa da TV Globo “Esquenta”, fez vir à tona a revolta local com a actuação – alegadamente violenta e impune –da polícia.

A notícia correu veloz dentro da favela, onde vivem cerca de dez mil pessoas: pouco depois, a população ergueu barricadas, pegando fogo a caixotes do lixo, pneus e automóveis e atacou a esquadra da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), instalada desde o final de 2009, num protesto contra a arbitrariedade e repressão das autoridades.

Com a ladeira que liga o Pavão-Pavãozinho ao bairro de Copacabana em chamas, o ambiente de guerrilha urbana tomou conta da zona turística, substituindo a imagem de bilhete-postal: helicópteros a sobrevoar o morro, um contingente do Batalhão de Operações Especiais (Bope) a varrer o caminho até à UPP, tiros de gás lacrimogéneo para dispersar a multidão.

As lojas de Copacabana fecharam, as esplanadas foram recolhidas e os moradores e turistas aconselhados a manter-se em casa. O acesso à estação de metro foi cortado, bem como a circulação automóvel no túnel Sá Freire Alvim e na Linha Vermelha, uma das principais vias expressas da cidade.

Segundo a imprensa brasileira, em reacção à chegada da tropa de elite, os “traficantes deram rajadas de tiros e balas traçantes foram vistas partindo da favela”. As acções violentas terão sido orquestradas pelos membros do famoso “Comando Vermelho”, uma facção criminosa ligada ao narcotráfico. No tiroteio com a polícia, registaram-se duas vítimas: um indivíduo de 27 anos, morreu depois de atingido a tiro na cabeça, e um menino de 12 anos foi baleado.

A normalidade regressou na manhã de ontem, mas o caso deixou sequelas: a questão da segurança no Brasil voltou a ser discutida internacionalmente, dois meses antes da chegada dos turistas do campeonato do mundo de futebol. E no país, as dúvidas sobre a morte do dançarino e integrante do grupo Bonde da Madrugada continuavam a alimentar o ressentimento contra a polícia. A conhecida actriz Regina Casé, que apresenta o programa “Esquenta” onde DG actuava, apelou ao esclarecimento dos factos. “A verdade, seja ela qual for, não porá fim à tristeza, mas é o único consolo”, considerou.

O corpo de Douglas foi encontrado no interior de uma creche da favela. O relatório oficial das autoridades identificou escoriações e ferimentos “compatíveis com morte ocasionada por queda” do muro daquele estabelecimento. Mas a mãe do jovem dançarino encontrou “sinais claros de tortura” no cadáver do filho, que na sua versão dos factos, teria sido agredido e morto pela polícia – por causa de uma antiga rixa, ou possivelmente por ter sido confundido com um traficante de drogas.

As discrepâncias das versões da polícia, dos familiares e dos moradores foram notórias desde o início das investigações para apurar as circunstâncias e a causa da morte do dançarino. Num depoimento preliminar, os agentes da UPP do Pavão-Pavãozinho disseram que encontraram o corpo de Douglas na manhã de terça-feira, no decurso das perícias a um tiroteio ocorrido na madrugada da véspera envolvendo a polícia militar e traficantes do morro.

Mas a família garante que as autoridades foram alertadas pelos moradores, que encontraram marcas de sangue na creche. Em declarações à rádio CBN, a mãe Maria de Fátima da Silva afirmou que o filho foi “torturado até a morte” e além das marcas de botas e arranhões nas costas que viu, destacou as conclusões da autópsia, que mostraram um “afundamento no crânio, corte no supercílio e soco no nariz”. Segundo o “Jornal da Globo”, o Instituto de Medicina Legal imputou a morte a “hemorragia interna decorrente de laceração pulmonar por ferimento transfixante do tórax”.

“O meu filho lutou muito, foi arrastado e depois agonizou até à morte”, continuou Maria de Fátima, que acredita que a polícia se preparava para fazer desaparecer o corpo. “Quando viram que ele era da Globo, que ia dar ruim, começaram a desfazer o local. Se não fosse o protesto dos moradores, meu filho ia ser mais um desconhecido, enterrado na lama, que só encontram carcaça”.

Sugerir correcção
Comentar