Direitos humanos e espionagem no arranque da NETmundial no Brasil

Conferência começou esta quarta-feira em São Paulo. Dilma Rousseff levou consigo o Marco Civil da Internet com luz verde do Senado.

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NELSON ALMEIDA/AFP

A NETmundial arrancou esta quarta-feira em São Paulo, um dia depois do Senado brasileiro ter aprovado o Marco Civil da Internet, a Constituição do Brasil para a web. Perante representantes governamentais, do sector público e privado, e académicos de mais de 80 países, a Presidente Dilma Rousseff promulgou simbolicamente o documento, que serviu de ponto de partida para voltar a condenar os casos de espionagem norte-americanos e a insistir na protecção dos direitos humanos online e offline.

Após quase três anos de discussão na Câmara dos Deputados, e depois de terem sido retiradas algumas das questões mais polémicas para que o processo avançasse, o Marco Civil foi aprovado por Rousseff, um documento que a Presidente acredita que "poderá influenciar o debate mundial na busca do caminho para garantia de direitos reais no mundo virtual".

Foi durante a discussão do Marco Civil que foram denunciados casos de espionagem da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) a altos responsáveis mundiais, entre estes Rousseff, segundo revelações feitas pelo antigo analista informático Edward Snowden.

O nome do norte-americano acabou por marcar o arranque da NETmundial. "Para todos nós que amamos a Internet, e todos nós que estamos aqui, e a alguém chamado Edward, Edward Snowden, obrigado", disse Nnenna Nwakanma, co-fundadora do Free Software and Open Source Foundation for Africa.

Dilma Rousseff centrou também na espionagem a sua intervenção. A Presidente considerou que casos como os da NSA “são e continuam a ser inaceitáveis” e “atentam contra a própria natureza da Internet, aberta, plural e livre". "A Internet que queremos só é possível num cenário de respeito dos direitos humanos, em particular a privacidade e a liberdade de expressão. É importante reiterar que os direitos que as pessoas têm offline também devem ser protegidos online", reforçou.

Rousseff, que quer uma Internet “multissectorial, multilateral, democrática e transparente”, não deixou de fazer referência ao poder norte-americano no mundo online e sublinhou que a participação dos países na gestão da Internet "deve ser feita de forma igual entre si, sem que um tenha mais poder que os demais”.


Ficou, no entanto, o elogio do Brasil ao anúncio de Washington feito em Março. A gestão dos endereços na Internet, assegurada pelo ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), deverá deixar de estar na dependência do governo dos Estados Unidos em 2015, uma reivindicação que tinha vindo a ser feita pelo Brasil. Rousseff tinha já proposto às Nações Unidas o controlo multilateral da utilização da Internet, numa reacção ao monopólio norte-americano.

“Governância multissectorial” da Internet
Entre os oradores do primeiro dia da NETmundial esteve ainda Tim Berners-Lee, o criador da World Wide Web. Depois de saudar a aprovação do Marco Civil, defendeu que um documento semelhante deveria ser criado para uniformizar as regras de funcionamento da Internet.

Pelo sector privado esteve Vint Cerf, vice-presidente da Google e considerado um dos pais da Internet. Também com elogios à promulgação da Constituição brasileira para a Internet, Cerf defendeu a “governância multissectorial” da web. “[…] os protocolos de Internet devem estar disponíveis livremente e abertamente a qualquer interessado, sem nenhuma barreira de adopção e uso”, acrescentou.

Na conferência que decorre até esta quinta-feira são esperados progressos no conciliação dos interesses dos países que foram alvo de espionagem pela NSA, com os Estados que controlam o acesso e o conteúdo da Internet e os intervenientes privados que exigem liberdade decisória nos seus produtos. A organização espera que o encontro abra caminho para uma “governança aberta, participativa, multipartida, tecnologicamente neutra, sensível aos direitos humanos e fundada nos princípios de transparência e de responsabilidade”.

À margem da conferência, em entrevista à AFP, o coordenador da NETmundial e secretário do Ministério de Ciência e Tecnologia brasileiro, Virgílio Almeida, disse acreditar que do encontro possam resultar avanços significativos para entender a necessidade de globalização de forma equilibrada do controlo da Internet. Mas reconhece que há questões sem resposta. “Há algumas semanas o governo norte-americano anunciou que cederá o controlo da instituição [ICANN] a uma entidade de carácter multissectorial, mas como funcionará, quem participará, como serão escolhidos os seus membros, ainda são assuntos em discussão e o primeiro debate multissectorial ocorrerá durante o NETmundial”.

  

 

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